sábado, 27 de março de 2021

Caminho Leitoso

Na vastidão do espaço, vazio pulvilhado por um ou outro grão de areia separado por anos-luz, a humanidade surgiu e cresceu. E apesar desta vastidão sem fim, o universo permanece mudo e quedo. Em concreto não há qualquer prova que outras estrelas alberguem irmãos feitos do mesmo pó, criado no coração de velhas estrelas mortas. Menos ainda encontramos o pai criador que não existe noutro local que no nosso desejo desesperado. Se algum facto se pode apontar á nossa espécie é a luta sem trégua pela nossa sobrevivência e crescimento, e a profunda solidão onde as respostas nunca chegaram de fora, e aquelas que encontramos vieram de dentro, de nós mesmos. A via láctea, as estrelas com os seus séquitos e o universo permanecem num silêncio altivo e indiferente. E no entanto sabemos que a despeito das distâncias proibitivas para a matéria, elas não o são nem para a luz nem para as ondas. Mas as estrelas, essas permanecem em silêncio obstinado. Nada mais possuímos além desse silêncio, e de uma força estranha e invisível que nos impele a seguir em frente. Milhões de anos em que a matéria se criou, se complexificou, se tornou casa da vida e da consciência, aparentemente as coisas mais preciosas que o universo cria. Porque quando abrimos os olhos e questionamos o que nos é dado ver, é o universo ele mesmo que toma consciência de si. Universo que sente a sua própria solidão. E as galáxias vão girando numa sinfonia louca mas cheia de coerência, estrelas, galáxias, átomos, kuarks dançando no universo que se expande em velocidade acelerada, onde estrelas nascem e morrem queimando matéria, em direcção a um futuro onde só restará vazio e um número infindável de buracos negros. Depois, talvez Lord Shiva queira de novo retomar o ciclo. Talvez no final da vastidão e do vazio lhe apeteça dizer : "faça-se luz". E a luz, os átomos primordiais de Hidrogénio voltem a surgir. Afinal o deus carrega o círculo de fogo entre as mãos, enquanto vai dançando ao som da música eterna do ciclo e criação e destruição. Por um piscar de olhos presenciamos a dança do deus, fazemos parte do bailado. Fiat Lux! 

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