domingo, 21 de março de 2021

O que é uma fronteira?



O que é uma fronteira? O que representou antes, o que representa hoje?
No Sabugal as velhas fronteiras regressaram, depois de décadas em que a construção da União Europeia as diluiu em pouco mais do que fronteiras administrativas.
Ser raiano tinha um significado muito diferente daquele que as hegemonias e os poderes centralizadores de Madrid e de Lisboa estabeleceram.
Muro simbólico de poderes remotos, os povos da raia sempre souberam negociar, driblar e aproveitar a fronteira enquanto recurso. A resistência é a arma dos fracos.
A pandemia veio reavivar fronteiras, tornando esses muros simbólicos em muros reais. As estradas de controlo apertado que ligavam Portugal e Espanha repentinamente regressaram.
E com elas regressaram velhas práticas, ainda que vestidas com roupagens contemporâneas.
Agricultores e pastores, com terras cultivadas e rebanhos partilhados entre as duas margens dessa linha imaginada viram-se repentinamente de novo apartados. Mas nem plantas nem animais sabem dessas linhas traçadas a tinta no imaginário dos poderosos. Há que cuidar de culturas, rebanhos e manadas, seja qual for o lado da fronteira.
Quando carros e tractores ficam impedidos de circular, voltam às velhas práticas: de cada lado das barreiras agora reerguidas, dois tractores partilhados permitem ao agricultor driblar o impedimento. E mais delicioso, os velhos caminhos do contrabando, aparentemente mortos e esquecidos, regressam à prática quotidiana.
Tal como a velha máxima das comunidades agro-pastoris de Trás-os-montes, "para cá do Marão mandam os que cá estão", também na raia, a despeito de Lisboa e Madrid, mandam as regras daqueles que, mandados mas ignorados por esses poderes, se veem na contingência de continuar a governar as vidas, recorrendo hoje a velhos saberes de resistência e adaptação que nasceram a par e passo com a construção das fronteiras política

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