domingo, 28 de setembro de 2008

Arrábida nossa de todos os dias

Sábado à tarde, dia de "pôr a casa em ordem". Toca a telefone, e uma velha e constante amizade brilha no visor. Falas (com sempre) a 1000 à hora, apanho apenas metade do que dizes, mas enfim, sei que estás no centro da vila na nova biblioteca, acompanhado por alguém, e que passarás aqui por casa de seguida. Alegro-me com a perspectiva do reencontro, pois apesar de não termos estado longe um do outro muito tempo, nas últimas semanas não nos vimos e quase não nos falámos, mas eu sei que andas-te um bocado agitado, e tu também sabes que eu andei ocupado, o pai teve mais uma crise e mais um internamento, eu tive que me ausentar por uma semana por razões de trabalho. Uma hora depois e cá estavas tu e a tua companhia. Revemos-nos com a mesma alegria e prazer de sempre, aprecio a tua nova amizade - olhos, o espelho da alma - que me transmitem de imediato uma sensação de confiança. Conhecendo-te há tantos anos e de forma tão sólida, naturalmente não esperava algo de diferente. Propões um jantar em Setúbal, apanho boleia no vosso carro, e aí vamos nós, tagarelando alegremente, pondo a conversa em dia, incapazes de deixar espaço para que a tua nova amizade fale. Ao fim de algum tempo, e para quebrar o ritmo, peço-lhe em tom de brincadeira que se cale (ainda quase não tinha aberto a boca), para dar espaço à participação no diálogo. Conversa amena (haverá algo melhor do que uma refeição partilhada para promover diálogos?). A primeira impressão sobre a tua nova amizade não se desfaz, pelo contrário corrobora-se. Diálogo tranquilo e ponderado, numa tranquilidade apenas denunciada pela urgência de um ou outro cigarro, pelo leve tremer das mãos. Acabada a refeição, e aí vamos nós para S. Filipe, desfrutando da serenidade, da qualidade e da vista magnífica que tão bem conhecemos, e por um chá de menta que supostamente deveria ser frio... Pouco importa. Apanhamos umas revistas, cada um lê um ou outro artigo, o silêncio instala-se por longos minutos. Pouco de pois decidimos ir para o exterior mostrar os terraços de S. Filipe, voltamos para a esplanada, apesar do friozinho que a pouca roupa reclamava. Entusiasmo-me com a conversa, espero não causar má impressão, mas tranquilizam-me. Sugerimos subir a serra, apreciar a magnífica paisagem que nós dois tão bem conhecemos. A gravilha espalhada na estrada pelas recentes chuvas preocupam-me, mas lá vamos subindo a serra, até aquele preciso local em que se avistam as duas grandes cidades do Tejo e do Sado, os castelos que vão de Sintra a Montemor. A magia da serra é sempre a mesma, seja de dia ou de noite. A serra respira, e nós respiramos com ela.

Regressámos, era necessário trazer-me a casa. Convido-vos para mais um chá. A ajuda prometida para ver o que se passava com a pen drive foi cumprida. Convido-vos a ver este mesmo blog. A leitura encoraja a outras leituras, mas essas reservadas para ti, meu amigo. Sorrio para mim mesmo. Sabia que só poderia ser assim. Começas a ler em voz alta, aquilo que supostamente eu não deveria ouvir. Coloco os auscultadores, a pretexto de uma música no meu computador. Por entre as notas, saltam algumas palavras soltas. Não me surpreende o sentido. O caminho, sempre tão diferente para cada um de nós, é afinal o mesmo. Os mesmos espinhos, as mesmas penas, os mesmos resultados. Mas acima disto, prevalece uma força que, creio eu, nenhum de nós sabe de onde vem, que nos impele a seguir em frente. Para traz ficam as ilusões de juventude. Os 40 ainda não pesam. A idade "do lobo" traz aquela ternura tão típica de quem já viveu alguma coisa, que já sabe, aprendeu. O verão já vai adiantado, mas os primeiros ecos do outono ainda não se anunciam. Algo foi acrescentado á corrente dos dias.

Tanto ainda por viver! Caronte pode esperar.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Construir descontruindo...

E a faculdade recomeçou de novo. O prazer raramente sentido no início, torna-se agora uma constante. Rostos que me acompanham desde o primeiro ano reaparecem, os sorrisos simples , afectuosos e cúmplices reconfortam, as mãos que se tocam transmitem esse afecto tão vital.
As apresentações ganham outra vivacidade, o futuro trabalho de campo (mesmo com fracas condições logísticas) entusiasma, as apresentações dos professores são exigentes, mas estimulantes. Recomeçou pois a correria. O cliente que estava à espera do equipamento que não veio, porque algumas pessoas gostam de se esquecer das suas competências lá acabou por chegar(o meu grande problema é falar sempre em Chinês, pelo que obviamente ninguém entende o que eu digo...), mas o crhonopost funcionou, e lá consegui pôr o sistema a funcionar. O trabalho foi feito e o dia ganho, para a sopa de todos os dias, pois então. Nem dei pelo stress, de tão entusiasmado com o curso. Diverti-me com a cadeira de Simbólico, com o esforço titânico do professor para desconstruir as mais profundas convicções dos alunos, nada escapou, nem a democracia, nem a cultura, nem a política, nem os cientistas. É necessário destruir tudo! - Nero pensou o mesmo em relação a Roma, e se se bem o pensou, melhor o fez. Mas calei-me. Coitados dos miúdos, que lavagem ao cérebro. Afirma o professor que a acumulação de dados per se não vale de nada. Contraponho que não, relembro o trabalho de Thyco Brae que anotou com rigor durante anos a posição dos planetas, sem nunca ter resolvido a verdadeira natureza dos seus movimentos, a sua sovinice em fornecer dados ao seu discípulo Kepler, que apenas teve acesso ao espólio do mestre após a morte deste. Argumento que ao contrário da afirmação do professor, o trabalho de Thyco foi válido e importante, e constituiu uma base sólida para as leis dos movimentos dos planetas descritas por Kepler com base nas observações do mestre. Parece-me ver um sorriso matreiro nos olhos do professor, um ar de entendimento... desculpe lá professor, mas vou dar-lhe algum trabalho na sua pretensa "lavagem cerebral," hehehe. Também não é verdade que não se saiba nada sobre o cérebro humano. Temos as TEPS, as ressonancias magnéticas, as TAC... estamos longe da ignorância total. Desculpe professor, mas creio que se um sr de nome Damásio estivesse aqui não concordaria totalmente consigo. contrapõe que manchas azuis ou amarelas num papel não significam nada. Pois sim, sr. professor, fique lá com os pedais, que eu fico com o quadro, se não se importa, é claro. Fala-nos na solidão do cientista, na necessidade de cortes, diz que um certo senhor que aos 20 anos publica um artigo e acaba com Newton (quantos dos alunos saberão de que fala, já que o nome Einstein nunca foi pronunciado ?) Desculpe lá mais uma vez, sr professor, não negou Newton, que continua tão válido como dantes, dentro de um certo limite; e já agora, e ao contrário do que afirma, desculpe também em discordar, mas o Magueijo também não nega Einstein, vai é mais além (aparentemente). Aceito perfeitamente que é necessário desconstruir uma certa teia de convicções pouco sólidas que nos servem de base no dia a dia, mas vamos lá com calma... se não se importa, é claro! E os seres Humanos são tão especiais, tão únicos, com características que são apenas suas - uma espécie de semi-deuses, apeteceu-me dizer. Indaguei então o que levaria um grupo de elefantes a visitar os seus mortos, a acariciar os seus ossos? Retorquiu que eu poderia fazer um belo trabalho etnográfico entrevistando esses elefantes para saber o que pensam. Sr professor, eles não falam mas comunicam, e nós podemos atingir uma parte dessa comunicação.
Um dia cheio mas produtivo, e muito estimulante. Relembro Marcel Mauss e o seu "Espirito da Dádiva". Assobiei baixinho o dia todo. já no final do dia, uma música dos ABBA, da qual já me tinha esquecido, apanhada nas teias da rede. Que belo poema, que prazer... que sentido! Hoje, a cama grande e vazia não assusta tanto, a solidão permanece a mesma, mas sei que dormirei em paz, porque este não foi um dia perdido, porque falei com gente que entende a minha linguagem, sei agora com mais convicção do que nunca a que mundo pertenço. Paira um a tranquilidade que é minha, que talvez a quase ninguém mais interessa. Mas não foi um dia perdido, foi um dia ganho!


The Day Before You Came

ABBA

Composição: Benny Andersson & Björn Ulvaeus

I must have left my house at eight
because I always do
my train, I'm certain
left the station just when it was due
I must have read the morning paper
going into town
and having gotten through the editorial
no doubt I must have frowned
I must have made my desk
around a quarter after nine
with letters to be read
and heaps of papers waiting to be signed
I must have gone to lunch
at half past twelve or so
the usual place, the usual bunch
and still on top of this
I'm pretty sure it must have rained
the day before you came

I must have lit my seventh
cigarette at half past two
and at the time I never
even noticed I was blue
I must have kept on dragging
through the business of the day
without really knowing anything
I hid a part of me away
at five I must have left
there's no exception to the rule
a matter of routine
I've done it ever since I finished school
the train back home again
undoubtedly I must have
read the evening paper then
oh yes, I'm sure my life was
well within its usual frame
the day before you came

I must have opened my front door
at eight o'clock or so
and stopped along the way
to buy some Chinese food to go
I'm sure I had my dinner
watching something on TV
there's not, I think, a single
episode of Dallas that I didn't see
I must have gone to bed
around a quarter after ten
I need a lot of sleep and so
I like to be in bed by then
I must have read a while
the latest one by Marilyn French
or something in that style
it's funny, but I had no sense
of living without aim
the day before you came

And turning out the light
I must have yawned and
cuddled up for yet another night
and rattling on the roof
I must have heard the sound of rain
the day before you came

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Analepse - interrupção de uma sequência cronológica narrativa pela interpolação de eventos ocorridos anteriormente.

E de novo nos reencontrámos, nestas coincidências que a vida às vezes proporciona. O sistema tinha que ser mudado de computador, e lá foi o técnico.... Trabalho fácil, convidativo portanto à deriva da memória, ao diálogo, às lembranças. Estudámos juntos (e crescemos um pouco), nesse período breve e fugaz da adolescência. Belos 15, 16, 17.... brincámos, vivemos, descobrimos as promessas da vida... lembrámos-nos hoje das idas do nosso grupo para junto da capelinha, lá na Lourinhã, o jogo (brutal) do "cá vai alho..." amigos de adolescência que a vida se encarregou, como sempre, de dispersar. Muitos anos depois... quantos? 16,17?! Não, 20 anos!!! O acaso voltou a cruzar os nossos caminhos. Estavas a trabalhar bem perto de Lisboa...sabias que do teu local de trabalho se avista a minha casa? E partilhava-mos amigos que a vida foi trazendo. E no jogo improvável das coincidências, tinhas que trabalhar com um sistema informático por mim instalado! Constituíste família (um marido, e as vossas duas crianças lindas), mas para mim permaneces igual, vejo-te como eras naqueles tempos que por força da nossa juventude eram belos. Conversámos, sorrimos, dissemos brejeirices... falaste de uma foto nossa com o grupo mais chegado. Avisei-te de que não te daria tréguas até que essa foto fosse passada a scaner e enviada para o meu mail... :)

Partilhámos no nosso reencontro outros factos da vida, factos improváveis na nossa adolescência mas tornados verdades pelo rio do tempo. Gosto pois de saber que estás bem, é reconfortante saber que aqueles de que gostamos( e por que não os outros ?) estão bem.
Na minha memória ficou a pairar a música dos Queen que passou entretanto no teu rádio, música do nosso tempo, a compor esta analepse serena e feliz. Espero que tudo continue a fluir de forma tranquila para ti e para os teus. Agradeço aos Deuses que possibilitam estes rencontros improváveis, tão mais improváveis do que ganhar a loteria....

"Carpe Diem"

PS
Dá uma prenda especial a ti, ao teu marido, e em especial aos teus filhos PLEASE... DEIXA DE FUMAR!

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Relógio parado










Outro dia. Apenas isso. E a dor, eterna companheira sempre presente, essa dor de alma, de tão intensa feita às vezes física, recusando tornar-se apenas memória e saudade. Ausência sempre presente, suponho que até ao fim do (meu) tempo. "Ouço apenas o silêncio, que ficou em teu lugar..." Tantas formas de te falar, mas todas apenas aos ouvidos (magnífica tecnologia...). Mas, e à alma? Chegariam lá as palavras, as ideias ? - E, sobretudo, os sentimentos? Não, já não creio, quebrou-se o fio condutor, e o relógio permanece parado. E a árvore frondosa é apenas isso, sem os frutos da semente, que não lamento, mas mais triste ainda, sem os frutos dos sonhos, esses que poderiam perdurar mais, mortos ainda na vagem. E os cacos de ouro brilham intensamente, desafiando o tempo que passou, mordazes, relembrando uma e outra vez a felicidade breve e perdida. E o que resta? Resta a convicção e a certeza da solidez do que foi um dia, verdade feita suporte da existência, tão sólida - acreditarias tu nisso? - como o nascer do Sol a cada dia. E o orgulho, a certeza que talvez nunca tenhas reconhecido de uma fidelidade absoluta, (às vezes tomamos a nuvem por Juno), e mais do que isso, de uma lealdade e confiança sem limites, inquestionável, inabalável, eterna enquanto durou.
Ao longe, do outro lado do rio, Lisboa resplandece, no final de cada tarde em que vejo o pôr do Sol sobre a serra de Sintra, em que te imagino no teu quotidiano, na corrida entre a casa, a família, o trabalho, a faculdade, o lazer, nesse quotidiano onde eu já não pertenço.

"Bonjour Tristesse"!

Adieu tristesse
Bonjour tristesse
Tu es inscrite dans les lignes du plafond
Tu es inscrite dans les yeux que j'aime
Tu n'es pas tout à fait la misère
Car les lèvres les plus pauvres te dénoncent
Par un sourire
Bonjour tristesse
Amour des corps aimables
Puissance de l'amour
Dont l'amabilité surgit
Comme un monstre sans corps
Tête désappointée
Tristesse beau visage.

Paul Éluard, La vie immédiate


sábado, 6 de setembro de 2008

Ponte mental

Andava há já algum tempo para te ligar. Queria saber de ti, dizer-te que tinha adorado a nossa saída de campo, que o teu brinco afinal não estava perdido, tinha-o encontrado na manhã do Domingo seguinte, depois de uma noite de observação de infinitos, como aquele que se abre para nós quando olhamos as estrelas, tão mais próximas com a ajuda do telescópio, ou aquele outro infinito com que nos deparamos quando olhamos para dentro de nós próprios, com a essência daquilo que sabemos que somos, e, sobretudo, daquilo que não sabemos que somos...
Ontem "espreitei" de novo o teu blog. Fiquei um pouco angustiado, confesso. Senti urgência em falar contigo, saber se estavas bem. O teu telefone estava desligado. Aguardei para a manhã seguinte. Finalmente, a tua voz do outro lado. Fiquei mais calmo. Entendi melhor o que tinha lido. Naquela noite tínhamos falado de ciência, (de Astronomia é claro), mas tinha-mos falado de nós, de coisas da espiritualidade, dos amigos, dos que já partiram.... Alheio a essa angustia que te invadia, que apenas sentida (ou pressentias). Naquela noite magnífica de estrelas, alguém passou para o outro lado do espelho, e alguém de quem és amiga sofria. E tu, ainda sem saberes o exacto porquê, sofrias em silêncio. E os dois infinitos deslizaram sobre nós. E quando pousamos os nossos olhos sobre esses infinitos, é o próprio Universo que toma conhecimento de si próprio. Aqui. Agora. Matéria feita consciência. Triliões de protões, electrões, neutrões, numa dança louca mas cheia de coerência. Sopa de quarks, numa sinfonia que consegue esquecer (em francês) que para Dali o centro do mundo é a casa de banho de uma qualquer estação de comboios em Paris... Edificante!
Voltámos pois a por a conversa em dia. Falamos de projectos próximos, de novo coincidimos. O parapente é mesmo para fazer, (rimo-nos). O novo e maior telescópio também. O curso, definitivamente é para ir até ao fim. Fico com a sensação de que o crivo do tempo se encarrega de filtrar, de clarificar, de mostrar o que é bom de guardar. Assombro no desassombro. Existência que procuro feita sobre o alicerce forte da verdade. O caminho que se perfila não parece grandioso, mas afigura-se sereno. E nós sabemos sempre como nos encontrar. Procura não te esquecer que nem sempre o que parece é: "The dream is over", talvez agora, mas o mundo muda muito, e muito depressa. Há 30 anos a minha perspectiva de vida não era definitivamente um curso universitário. E no entanto... O sonho de voar de um jovenzinho poder vir a ser o futuro pesadelo do homem que pega num F16 ou num apache para matar gente, jovens, mulheres, crianças, velhos, gente como nós. Não devemos ser presumidos perante os Deuses, pois eles às vezes decidem realizar os nossos pedidos... Importa pois estarmos vivos e de boa saúde, sabermos que não estamos sós, partilhar a companhia das velhas pedras do Cromeleque de Almendres, tendo por cúpula 100.000.000 de estrelas da via-láctea.


Possa eu ser a ponte onde não há ponte, o barco quando não há barco..." lembras-te ?

Tudo se encaixa