sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Et vive la France!


Uma semana ausente. Em França, no "Pays de la Loire". Vou a trabalho, pouco resta para o lazer. Mas a viagem ao longo do rio compensa.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Velharias e antiguidades


Raramente consigo gostar de um objecto antigo. Raramente desenvolvo afecto por objectos. Eles apenas existem para nos servir.
Sempre que ia à feira-da-ladra, ou se entrava num antiquário, acontecia a mesma sensação pouco agradável, da carga que os objectos com alguma antiguidade me causavam. Não aprecio particularmente a presença de objectos antigos próximos de mim. Sei que pertenceram a alguém, que essa pessoa talvez tenha tido afecto ou qualquer sentimento de pertença com o objecto, e se eu me apropriasse do objecto, estaria a "roubar" algo a alguém, mesmo que esse "alguém" seja já apenas pó, memória, ou nem isso. Sei ainda que (felizmente) há pessoas que gostam verdadeiramente de antiguidades, da história que cada objecto carrega. Ainda bem que existem. Nada contra, tudo a favor. Surpreendo-me comigo próprio em contradição! Adoro a antiguidade dos objectos e das coisas, desde que muito antigas. Recordo as visitas ao Museu Britânico. Meu Deus, o primeiro confronto com os frisos do Partenon, e as lágrimas que não consegui conter. Os bustos de Péricles, de Adriano, de Antínoo, a Pedra Roseta, a estatuária monumental da Babilónia... poderia passar anos dentro do Museu Britânico sem me cansar! Paradoxo? Talvez. Qual a fronteira então que me faz distinguir os objectos não desejados, dos desejados, admirados, que não me causam desconforto? O tempo. Porque se na minha cabeça for imenso, então consigo "filtar" o desejo, o sofrimento, a história que fazem a "alma próxima" do objecto. Passa a ser um tempo distante, filtrado, onde o rio do esquecimento já foi passado, em que me posso dar ao "luxo" de ver apenas o lado mais belo que o objecto conta. É quando eu já não posso imaginar uma pessoa concreta, mas apenas pessoas abstractas, que eu posso aproximar-me desse objecto sem a "sensação do ladrão". É por isso que me deleito com a ideia que um dia toquei (sacrilégio, hoje já não o poderia fazer, mesmo que quisesse, uma redoma de vidro protege a peça) a Pedra Roseta".

O meu desprendimento dos objectos tem, como em todas as regras, a excepção: o meu telescópio, máquina fantástica em que investi tanto do meu tempo de jovem na sua construção, que me permitiu e permite magníficos momentos de evasão, de comunhão com o Cosmos! A este objecto, confesso, tenho algum afecto. Se o perdesse sofreria com isso.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Pássaros


10 anos. Parece que foi ontem, mas já lá vão 10 anos! Decidiu a família "dar um pulo" até ao outro lado do Atlântico, mais concretamente, até ao Canadá. Mais de um mês a dormir (mal) numa cama minúscula. Mas valeu a pena - terá mesmo valido a pena, em todos os sentidos? Relembro com prazer o reencontro da família, as cataratas do Niagara, a praia do lago Erie, meu Deus, aquilo só é lago com muito boa vontade. Lembro a praia de areia branca, ondas como num mar, e um lago que se denuncia apenas quando mergulho e percebo (finalmente) que a água é doce!!! O gigantismo é tal que não se vê o outro lado! Soube muito tempo depois que sentiste isso como abandono, que as duas vezes que te telefonei não foram suficientes. E sei também que nunca me permitiste a redenção desse pecado. Enfim, ninguém é perfeito, e mesmo quando damos o melhor de nós mesmos, isso nunca será suficiente. Uma nuvem tolda o meu pensamento. Quão leve era então a nossa ligação. Leve como o peso de um passarinho a que chamei Ambrósio, e que me visitou frequentemente durante aqueles dias de Agosto em Toronto. Um dia apareceu à janela da cozinha, esvoaçando. Aproximei-me dele cuidadosamente. Não demonstrou grande medo, embora no primeiro dia mantivesse uma distância de segurança.
Peguei num pedaço de bolo, atirei-lhe umas migalhas. Não fugiu. Comeu as migalhas que caíam. Pouco depois perdeu o medo de mim, e aquele pequeno ser selvagem passou a vir comer na minha mão! Todos os dias, invariavelmente, lá estava o Ambrósio (para deleite meu e da família)! Se eu estava desatento, esvoaçava e dava pequenas bicadas no vidro, chamava por mim, e só se ia embora quando já se sentisse saciado. Não me esqueci deste acontecimento trivial. Sei que ficou gravado para sempre na minha memória. Sei que um dia irei ter tempo para pôr um comedouro na varanda da minha casa, que irei habituar alguns "habitantes emplumados" das redondezas à minha presença, e que um dia a passarada brava e assustadiça de Portugal poderá vir também comer na minha mão. Esta é sem dúvida uma das tarefas mais importantes para o futuro. E sei também que me irei lembrar de ti nesses momentos, enquanto a leveza dessas pequenas vidas pesar sobre as minhas mãos. Estarei então como sempre sozinho, tal como tenho estado nestes últimos 10 anos.



Asas fechadas
São cansaço ou queda
Pedra lançada
Ou vôo que repousa
Ai, meu sorriso, a mim entrega
E meu olhar não ousa...

Asas fechadas
Dizem dois sentidos
Ambos iguais
E versos verticais
No teu sorriso só pressinto
Um sofrimento mais...

Asas fechadas
Desce quem subiu
Buscar a terra
É ter fé lá no céu
Nos sorrisos indecisos
Outro sonho nasceu...

Asas fechadas
Sonho ou desespero
Ponto final
Ou ascensão sem par
Nestes sorrisos espero
Por não saber chorar...

É prudente o silêncio
De quem só sabe sonhar...

Alain Oulman



quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Mandala


Créditos: http://higherbalance.files.wordpress.com/2008/08/mandala.jpg
http://www.dharmanet.com.br/mandala/
http://www.dharmanet.com.br/buddha/

Partir pedra

Consta que um dia, ao passear pelas ruas de Atenas, Sócrates se deparou com um individuo sentado no chão, com um escopo e um martelo, a trabalhar. Quando lhe perguntou o que estava ele a fazer, a resposta foi : é óbvio, estou a partir pedras. - Ah, a partir pedras, retorquiu Sócrates. Que interessante.
Andando mais um pouco o nosso filósofo deparou-se com um segundo homem que fazia exactamente a mesma coisa. E de novo a pergunta, o que estava ele a fazer. A resposta foi : é óbvio, estou a construir blocos de pedra. -Ah, a construir blocos, retorquiu Sócrates. Que interessante. Continua o filósofo com o seu passeio, e mais à frente depara-se com um 3º homem que fazia o mesmo que os outros dois. E de novo a mesma pergunta : o que estava ele a fazer. A resposta foi : estou a construir um templo!
Vale a pena meditar um pouco sobre esta parábola. Os três homens faziam exactamente a mesma coisa. Mas cada um deles tinha imposto uma visão (e uma limitação) ao que fazia.

E eu, que ando eu a fazer nesta vida ? Parto pedras, fabrico blocos, ou ando a construir um templo?

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Delírio

Bom, as aulas continuam, e o delírio também. Creio que me vou ficar pela bibliografia recomendada, até porque se torna incomportável a conciliação do emprego com as aulas. É difícil construir uma linha orientadora de raciocínio. Estamos no pós-científico. Muito bem, sim senhor. E depois? Parece que anda-mos em círculos, e por isso mesmo sem sair do mesmo sítio. Tudo é delírio e sexo - Meu Deus, como o sr. professor gosta de falar de sexo! No meu caso, e no que respeita à matéria, prefiro fazer a falar.... As representações são todas simbólicas, e Freud é uma espécie de totem! Afirmação complicada, depois de alguns semestres em que os colegas do distinto professor foram declarando Freud "persona non grata" para a Antropologia. Já tive a oportunidade de lhe explicar que nós alunos mais parecemos casquinhas de nozes em mar alteroso. Tenho para mim que o melhor é mesmo tentar perceber o que é que cada ilustre professor pretende ensinar, e tentar talvez papaguear as ideias fundamentais da cadeira no exame. Se tem que ficar assim, assim seja. Mas eu não "engulo" essa com facilidade. Não discuto que o professor tenha lido muitos e bons livros. Certamente que leu. Mas bons livros é o que não falta, felizmente. Posso até ter que ler os autores recomendados para a cadeira, mas esses autores não invalidam outros autores que eu já li, que foram estruturantes na minha construção enquanto indivíduo, e que eu não tenho a mais pequena intenção de abandonar, pelo menos até que apareça alguém que os possa refutar de forma segura e inequívoca. Cito Hubert Reeves e o seu "Um pouco mais de Azul"na aula. O professor responde que o exemplo é um belo exercício de poesia, mas que a ciência nada tem a ver com o assunto, e que mal iríamos nós com uma biblioteca feita com livros da GRADIVA! Depois desta afirmação, não me parece que haja muito mais a dizer. Não sei se o ilustre professor sabe, mas a GRADIVA foi a primeira editora a fazer um esforço real e reconhecido de divulgação científica em Portugal. Pode o ilustre professor depreciar este trabalho. Eu nunca o farei. Reconheço humildemente que tenho muitos autores de Antropologia para ler. Vou procurar fazêlo. Tenham os distintos Antropólogos a humildade de "pôr o nariz" noutros livros, ditos das ciências exactas, e aprender que existem nos seres Humanos raciocínios lógicos, muito para além do delírio, do sexo, do complexo de Édipo (ou de Electra), da vontade de matar o paizinho, do sado-masoquismo e afins. Tenho para mim (mas se calhar é mesmo coisa só minha), que não foi com delírios que se construíram pontes, aviões, computadores, sondas espaciais, tomografias, TEPS e outros "brinquedos" que nos tornam a vida mais fácil, e - basta um pouco de vontade, nos libertam em grande medida de uma existência miserável que foi o apanágio da Humanidade durante quase toda a sua existência.

Gosto muito dos novos autores que o curso me "obriga" a ler, mas gosto igualmente da "Poesia sóbria" de autores como Carl Sagan, Hubert Reeves, Richard Feynman, e tantos outros que nos conseguem transportar para um universo que contem o caos mas também a ordem, que permite construir,mais do que destruir. Pudesse eu recomendar alguns pequenos livros de construção do Homem, simples, mas por isso mesmo acessíveis e didácticos. Aconselharia talvez o incontornável "Cosmos" do Carl Sagan. Aconselharia igualmente o "Um mundo Infestado de Demónios," ou o "Um ponto azul claro" do mesmo autor. Aconselharia ainda o livro "A hora do deslumbramento", do Reeves, e tantos outros. E mesmo que não seja a ciência pura e dura, mais profunda, daquela que se faz em universidades e laboratórios, talvez fizessem pela Humanidade tão bem quanto os outros. E tenho para mim também que a fronteira entre as ciências ditas "exactas" e as "ciências Humanas" é apenas uma construção (quem sabe Simbólica?), destituída de qualquer sentido. E não arredo pé da ideia de que o Humano é construído sobre o Físico, (como tudo o resto) e que por isso mesmo tentar compreender o Humano sem compreender o Físico não é ciência, pelo menos tal como eu a entendo. Esse seria para mim o maior dos delírios.

É um curso deveras interessante, mas, do meu ponto de vista, tem demasiada cultura e muito pouco de biologia. Denoto o "saco de gatos" entre professores de Antropologia cultural e Antropologia Biológica. Eu só pretendia fazer parte do "saco" da Antropologia. Mas se tiver que escolher, então a escolha já está feita. Para quem quiser comparar a construção do curso, basta comparar com o curso de Coimbra.


Escrevi, está escrito.
Disse. Está dito.

O teu olhar


Não, não vou - como sempre, aliás - escrever o teu nome. Não é necessário. Saberás, ao ler esta mensagem, que ela se destina a ti. Conhecemo-nos há apenas um ano, mas paira em mim aquela sensação estranha de que te conheço desde a eternidade. Acreditasse eu na reencarnação e diria talvez que já nos cruzámos noutras vidas. Mas como a minha busca do real prefere outra via, fico-me apenas pela estranheza. Os nossos olhos procuram-se porque (acho eu) sabemos que com eles comunicamos sem necessidade de palavras. Que dizia a Marguerite Yourcenar ? - às vezes as palavras traem os pensamentos! Os nossos olhos não mentem. Temos vários anos de idade de diferença. Há alguns meses atrás cometi a indelicadeza de te dizer que podias ter a minha idade. Não te zangues. É que é impossível olhar para ti, ou falar contigo, e não esquecer os teus 26 anos. A calma, ponderação e profundidade com que falas não se "encaixam" nessa tua juventude. Por isso mesmo parecemos almas velhas em corpos não tão velhos. Neste ano partilhámos já sonhos, vivências, cumplicidades. Definitivamente não me parece que sejam apenas cruzamentos fugazes na voragem dos dias. Não, algo de perene se insinua. E na indiferença dos muitos rostos anónimos com que me cruzo todos os dias, o teu nunca foi anónimo, desde o primeiro instante em que te vi. E quero que saibas que isso é para mim motivo de alegria, orgulho (e porque não dize-lo, de felicidade) quando esses momentos raros de diálogo sem palavras acontecem. Porque é nesses momentos que a solidão se sente acompanhada.

Sei que me entendes, e creio que eu também te entendo. E isso é algo de precioso, nesta cacofonia louca em que vivemos, em que toda a gente tem algo para dizer, mas muito poucos têm algo para ouvir.
Para ti haverá sempre tempo para te ouvir.

sábado, 18 de outubro de 2008

Mistura explosiva

Ás vezes penso que o medo aliado ao poder se transformam nos pais da maldade.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

E por falar em candeias...




Eis um bom exemplo das candeias que se querem. Por uma nova espiritualidade tão necessária!

Não, não sou ingénuo ao ponto de acreditar que o Tibete era o "xangrilá", a terra perfeita onde tudo era pureza e beleza. Havia muitas coisas erradas, e que de uma forma ou de outra teriam de mudar. Prevaleceu a outra, infelizmente. Mas a mensagem é bela, cativante, e, tal como se apresenta ao Ocidente, não dogmática, não se identificando como religião, mas apenas como uma filosofia. Seja, então. É tempo de mostrar à China que deve mudar. Admiro a sua cultura milenar, mas isso não me impede de ver os muitos erros cometidos ao longo do século XX. Aquela aberração a que chamam comunismo tem antes de mais significado sofrimento, para a própria China, e para os povos por ela oprimidos. O genocídio cultural e físico do povo Tibetano é uma realidade, que os políticos do ocidente teimam em não querer ver, por medo do gigante. Mas os gigantes às vezes têm pés de barro!

Estranho este mundo, que permite que uma nova espiritualidade se construa sobre o sofrimento de um povo como o povo Tibetano. Não conheço nenhum Tibetano, mas isso não importa. Apenas espero que acreditem que o seu sofrimento não foi, não é, e não será em vão!

Pela não violência!
Pela liberdade do Tibete.





domingo, 12 de outubro de 2008

Candeia que vai à frente...


Num mundo de flashs e luzes intensas da passerell, que encandeiam mais do que iluminam, admiro a luz simples e trémula da candeia que nos mostra a o caminho, nestes tempos difíceis.

sábado, 11 de outubro de 2008

Pagar fretes


Não é verdade que desprezo o dinheiro. Na verdade, ele até pode ser muito útil. Tenho andado a pensar em poupar uma moeda para levar um dia comigo. Parece que é de bom tom pagar o frete a Caronte!

Pickles

Sim, eu sei que vivemos mergulhados num imenso oceano de vinagre. Mas nem por isso me apetece transformar-me num pickle...

Prenda de anos

Fizeste 7 anos, e já andas todo ufano por estares na escola dos meninos grandes. Chegas a casa entusiasmado, e mostras-nos as letras que já aprendeste, pedes ajuda nos trabalhos de casa. Não és meu filho, mas para nós é como se fosses. Ainda ontem, num deslize freudiano me chamas-te pai. Tio ou pai pouco importa. Adivinhava a tua vinda quando ela parecia a todos muito improvável, e nestas relações de parentesco não há rivalidade. Dei-te a prenda que tu tanto querias: um transformer horrível, meio máquina, meio tanque de guerra. Mas não achamos boa ideia esconder-te a violência que vai no mundo. Achamos que tens que saber da sua existência, conviver de forma responsável com esse facto da vida. Só escrevo isto porque sei que não vais ler, pelo menos para já. Talvez um dia, quando eu não passar de uma memória, isto te venha parar às mãos. Alguém anda já atarefado a guardar estas memórias da humanidade, e assim sendo, quem sabe um dia? Se assim for, não fiques triste ou infeliz. Fica sabendo que adorei passar pela vida, e que a tua vinda foi para mim uma das maiores alegrias. Mas isso já tu sabes hoje mesmo.
Nunca te impus os meus sonhos. Tenho para mim que cada um deve viver os seus próprios sonhos, e que essa é a principal via para a realização pessoal e a felicidade. Ainda assim não escondo um certo orgulho quando te interessas pelos meus. Ontem apontei o telescópio para uma lua em crescente adiantado. Sentiste curiosidade e quiseste "espreitar". Adoraste os "buracos" na Lua, os "altinhos", as zonas claras e escuras. E desta forma, no teu aniversário, fui eu que recebi a melhor prenda. Ainda quiseste que eu te mostra-se o Júpiter, mas ele já estava do outro lado do prédio, e só estaria acessível de novo ao telescópio daí a um par de horas. De repente lembraste-te do teu transformer, e corres-te para ele. E eu fiquei a saborear o momento.

Cresce feliz, meu homenzinho!

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Alentejo de Minh´Alma


Dia de viagem ao Alentejo, e mesmo que a trabalho, o eterno encanto da planície!
Não nasci no Alentejo. Nasci mais a norte, numa madrugada de Abril de 68, no Bombarral. Terra fértil, igualmente belíssima, de pomares e vinhedos.
Tardiamente conheci as terras que se estendem para além Tejo. Então porquê esta ligação, quase visceral, a uma terra que se estende suave, de vistas amplas? Porquê este fascínio, por esta paisagem que se estende até perder de vista? Aprecio a paisagem ao longo da Auto-estrada. As primeiras chuvas de outono já quebraram a crosta ressequida, e por isso as árvores não denotam o stress da falta de água. Ainda não há verde, esse virá daqui a uns dias. Tudo convida à contemplação, nesta terra aplanada por um oceano primevo. Até as pedras são gentis nesta terra, arredondadas por esse movimento longínquo das águas. Não há barreiras à vista, a orografia nada tem de agreste. As pessoas, sejam elas "nativas" que se denunciam pela pronúncia, seja "emprestadas" à terra, reflectem a paisagem. Na calma, no fluir do diálogo coerente com o fluir do tempo.
O local onde vou é aprazível. Meia dúzia de casas no meio de um monte, perdido na vastidão da planície. Aquelas crianças que ali são acolhidas não sabem, mas eu adoro-as. Gente a quem a biologia pregou uma partida. Tropeções no número de cromossomas, "conversas" mal resolvidas entre genes e meio, numa altura em que o "diálogo" deveria ser inteiramente perceptível, para que a "sinfonia" pudesse vir a enquadrar-se melhor nos padrões chamados normais... Filhos de um Deus menor, dirão outros. Mas eu não creio nisso. Os sorrisos são afáveis e sinceros. Alguns conversam comigo, mostrando aquilo que são: pessoas normais, com um diálogo coerente. Como sempre procuro os olhos, neles reconheço a chama da inteligência. Reencontro alguém que já mais do que um cliente. É antes de mais um amigo. Apresenta-me uma jovem dinâmica e enérgica que apreende com facilidade o que é proposto aprender: gerir o sistema informático. Surpreende-me a sua juventude, simpatia, dinamismo e forma fácil de aprender. Indago sobre a sua formação académica. A resposta surpreende - Psicóloga, e professora numa universidade! A retracção é imediata, quase instintiva. Ainda não sei porquê esta reacção sempre que nos deparamos com psicólogos, como se existisse o receio de que a sua formação permitisse automaticamente descobrir algo do nosso inconsciente! Trocamos algumas impressões sobre psicologia, sobre abordagem de determinados assuntos por "totens" da psicologia e "totens" da Antropologia. Relembro a alegoria dos cegos que tocam o elefante, cada um deles numa parte diferente, e depois tentam descrever a realidade que tocaram: cada um deles descreve a realidade de acordo com a parte que tocou, mas nenhum abarca o elefante por inteiro. Sorrio. O importante talvez seja mesmo isso, ver uma parte da realidade, pois seria impossível abarcar o "elefante" todo.

Nem a lembrança do bilhete para entrar na Catedral de Évora no ano passado (Apenas a igreja, não os claustros), nem a auto-estrada cortada pela BT para controlo em Montemor me conseguem fazer zangar com a terra que, mais do que qualquer outra, adoptei como minha.


Regresso tranquilo, tão tranquilo como o Alentejo de minh´Alma, bálsamo para os olhos e para o espírito.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

The Persian Boy, by Mary Renault


[...] Foi então que me deparei com algo tão chocante que mal podia acreditar no que via. Uma dúzia de Jovens estavam dentro do rio com os seus corpos nas águas sagradas, tomando banho; e como se deleitassem com aquela poluição ímpia, mergulhavam e nadavam. Entre eles havia uns cabelos loiros que não podiam ser de outra pessoa senão do Rei. Pareceu-me que ele olhara na minha direcção, e afastei-me galopando aterrorizado.
Bárbaros! Pensei. Que vingança lhes destinará Archita das águas? [...]

Renault, Mary (1972) O Jovem Persa, Lisboa, Assírio & Alvim, 112

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Funções inversamente proporcionais




Duas funções inversamente proporcionais...

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

A solidão, Vista pelo Chico Buarque

Solidão não é falta de gente para conversar, namorar, passear ou fazer sexo. Isso é carência.
Solidão não é o sentimento que experimentamos pela ausência de entes queridos que não podem mais voltar. Isso é saudade.
Solidão não é o retiro voluntário a que a gente nos impõe às vezes, para realinhar os pensamentos. Isso é equilíbrio.
Solidão não é o claustro involuntário que o destino nos impõe compulsóriamente, para que revejamos a nossa vida. Isso é um princípio da natureza.
Solidão não é o vazio de gente ao nosso lado. Isso é circunstância.
Solidão é muito mais do que isso. É quando nos perdemos de nós mesmos e procuramos em vão pela nossa alma!

Magistral!

domingo, 5 de outubro de 2008

Faça-se Lux!

Noite de Sábado, data em que cumprias mais uma órbita em torno do Sol, e uma boa razão para comemorar. O dia começou cedo, e à hora tardia do encontro - meia-noite e meia, já o corpo pedia cama. Mas nem me passava pela cabeça não aparecer. Naturalmente que a hora só seria tardia para mim, já que a noite de Lisboa parece começar às 3/4 da manhã! como eu gostava de entender certas coisas... por exemplo, a cabeça das pessoas, o imaginário colectivo... Meu Deus, a esta hora já o "cota" iria praí no vigésimo sono! Mas o ambiente agradável convidava, e lá fomos nós até ao Lux. Há já vários anos que não ia lá, sabes que ambientes de discoteca não fazem "vibrar as cordas do meu violino". Mas esta era definitivamente uma data especial. E o espaço continua tão ou mais aprazível. Embora eu não seja favorável a leis e proibições, tenho que concordar que a lei do tabaco é uma espécie de bênçam! Que prazer, dançar-mos com algum espaço, sem levar com todo aquele tabaco de outros tempos. E para quem quer fumar, existem sempre os magníficos terraços da Lux. Sabias que um dos teus amigos me ofereceu um cigarro, e que eu fumei? Ficaram todos a olhar, estupefactos comigo. Não sei porquê! Sempre disse que sou de convicções mas não sou fundamentalista. E é importante construir pontes. Sei que não fiquei viciado com este cigarro. Normalmente fumo um único cigarro por ano, normalmente na festa de Natal da empresa. Este ano já queimei o único cigarro a que tinha direito. Adorei conversar com os teus amigos e familiares. É para mim importante reconstruir uma teia social, depois do isolamento auto-imposto que passei nos últimos anos. Um acontecimento trivial coloriu ainda mais a minha noite: pouco depois de chegar, uns olhos pousaram em mim, e foram-me seguindo durante a noite. Na pista de dança, vieram ter comigo e alguém elogiou a minha pessoa. No meio da música alta respondi da única forma que me pareceu apropriada. Disse-lhe que não imaginava o quanto me dava nesse gesto, já que eu tenho acreditado que nos últimos anos tenho sido invisível. Pareceu-me ver admiração e reconhecimento do seu olhar. Passados alguns segundos voltou com um sorriso, agradeceu as minhas palavras e disse-me para viver. Retribuí com um sorriso, nada mais podia dizer ou fazer. O relógio continha parado, a próxima página do livro ainda está em branco. Voltei a casa pouco depois, sorrindo pela magia desta festa inesperada, embalado pela música, pela capacidade das pessoas de continuarem a sorrir, a sonhar. Uma certa ausência deu-me tréguas por algumas horas. O coração continua a teimar em não chamar passado ao passado! Mas o sentimento de vida foi real, como uma velha amizade que se ausenta por um longo período, e um dia resolve voltar de forma inesperada.

Espero que a noite tenha sido aprazível para ti, no mínimo tanto quanto foi para mim.

Fiat Lux, Faça-se Luz!

PS. The dream remains possible. Queiram os Deuses dar-nos o tempo necessário!

sábado, 4 de outubro de 2008

Você está aqui!

The current location of our sun in the Milky Way.
Credit: NASA/JPL-Caltech/R. Hurt (SSC/Caltech)

Concentre-se nesta imagem. Repare na pequena seta amarela. É aqui que você está. Esta é provavelmente a melhor representação de uma galáxia comum, mas muito incomum, pois esta é a via-láctea.
A obtenção desta imagem é o culminar de várias décadas de estudos, após descobrirmos que vivemos neste "universo insular". Observamos a via-láctea a partir de dentro. Muitas zonas, como o centro da galáxia, não são observáveis no visível devido à enorme densidade de nebulosas de gás e poeiras. Esta imagem foi possível graças à combinação de informação que nos chega pelo espectro electromagnético, desde as ondas de rádio aos raios gama. Consequentemente, esta não é uma fotografia real, igual a tantas outras fotografias de milhões de galáxia que compõem o nosso universo e que nós podemos fotografar apontando um telescópio para uma qualquer zona do espaço numa noite escura e límpida. É antes uma montagem de algo que nenhum de nós poderá algum dia ver. A glória da Via-láctea vista de fora! Tudo o que conhecemos do nosso mundo está ou esteve aqui.

Eis a vastidão e magnificência do Cosmos, do qual nós somos aqui e agora pequenas partículas que lhe dão consciência de si próprio.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Razão é...


Erastótenes (275-195)

Continuamos com a desconstrução, procurando distinguir no Humano o que é hardware do que é software. O professor afirma não saber o que é a razão. Fico a cogitar. Não lhe chega a razão de Voltaire, de Descartes, de Kant. Entendo o que diz. Essa razão tão apregoada peles luzes desemboca 100 anos mais tarde na supremacia branca (mas apenas a da Europa do norte, já que a África tinha início para lá dos Pirenéus... privilégio de ser Africano, não esquencendo que a Lucy nasceu em África), e concretiza-se plenamente no século XX, com Auchvitz. Essa razão, certamente não interessa. Ocorre-me uma definição possível para Razão : acto de coragem, de quem, sabendo das sua limitações, tem a a força suficiente para afastar a superstição, o mito, as convicções religiosas, os sentimentos e os preconceitos, e com simples observações e usando o raciocínio chega a conclusões correctas. Razão foi aquilo que Erastótenes teve, 200 anos antes de Cristo, ao afirmar que a terra era uma bola, e ao indicar o seu diâmetro com 1% de erro! Absolutamente notável, um hino à Razão, à inteligência. Erastótenes viveu no Egipto Ptolomaico, e tinha verificado que, no dia mais longo do ano, no solstício do Verão, ao meio dia, se podia observar o sol no fundo de um poço em Siena, perfeitamente no zénite, ou seja, na vertical. Não havia qualquer sombra dentro do poço. Ora acontece que, sendo um homem perspicaz, Erastótenes se lembrou que, no mesmo dia do ano, à mesma hora, mas 800 Km mais a norte, em Alexandria, as colunas de um templo exibiam uma sombra, que fazia um ângulo de 7 graus com as colunas. O raciocínio era que, se a terra fosse plana, e estando o Sol para efeitos práticos no infinito, então faria sentido não haver sombras nas colunas do templo, e ver o Sol no fundo do poço em Siena. Mas não era isso que se observava. Erastótenes deduziu que as suas observações fariam sentido se se toma-se a terra como uma esfera. Aplicou então uma regra de 3 simples: se para 800 Quilómetros que separavam Siena de Alexandria o ângulo era de 7 graus, para 360 graus - O circulo completo, ou o diâmetro da terra, a distância seria X. E assim, apenas com sombras, poços e raciocínio achou o valor correcto. Foi um homem capaz de um acto de coragem. Tão mais fácil seria dizer que o mundo era o que era por vontade dos Deuses. Mas deixou-os de lado, e o mundo ficou diferente, pelo menos até que a superstição voltasse a falar mais alto, que a biblioteca de Alexandria se torna-se uma pira infame (como todas as piras onde se queimam livros). Poucos séculos antes antes, Platão afirmava que a Lua tinha fases porque estava na sua natureza ter fases! Uma bela frase que não passava de um jogo de palavras. Humildemente prefiro a razão de Erastótenes. Não tivessem o Deus único imposto a sua lei, e talvez hoje estivesse-mos já a singrar por entre as estrelas. Relembro o saudoso Carl Sagan.
Mas o céu pode esperar.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

O Amor é...


Creio que a existência do verdadeiro amor é inquestionável, quase uma evidência matemática. Vejamos: tenha uma (ou mais) bela(s) casa(s), um ou mais carros de marca sonante, uma conta bancária que comece com um algarismo diferente de zero. Os que vêm à direita podem ser muitos, quantos mais melhor, e não faz mal se forem zeros. Use roupas caras, de bom corte, bons perfumes, bons adereços. Verá que um grande amor lhe vai aparecer, e muito, muito depressa...