Lembraste-me
agora de um tempo antigo, embora para mim pareça que foi ontem: há na
Lourinhã uma quinta milenar, a quinta da Moita longa, a uns 2
quilómetros da casa dos meus pais. A quinta deve ter tido origem durante
a ocupação romana, como atesta o bosque de loureiros e a muralha
romana. Um tal cônsul romano de nome Laurus terá dado o nome à Lourinhã.
No limite da quinta, e num vale cavado corre
um ribeiro que esconde umas ruínas interessantes: um tanque enorme de
pedra encimado por uma fontainha, um poço cheio de lodo, muitos choupos,
e juncos, muitos juncos. Era aí que o meu pai e o meu tio Armando iam
todos os anos apanhar os ditos juncos por alturas de Agosto. Mais tarde
esse junco seria usado na empa das vinhas. é desse tempo que agora
recordo, os homens a arrancar junco dos charcos, as mulheres sentadas à
sombra fresca do choupal a escolher as melhores plantas, e as crianças -
onde me incluía - a brincar no ribeiro e nos charcos, a apanhar
peixinhos e cobrinhas de água, ou enguias que os adultos fritavam para o
almoço. Posso fechar os olhos e retomar a esse tempo feliz. Sinto o
cheiro da terra quente e húmida, fértil como só a terra rica em água e
húmus consegue ser. Vale pequeno e esquecido, hoje totalmente perdido
entre silvados. Restos de um tempo menos antigo, (só tem mil anos), em
que os monges e engenheiros da ordem de cister secaram aquelas terras
pantanosas, onde hoje restam os vestígios de pedra desse esforço que fez
recuar o mar mais de uma dezena de quilómetros, até à Areia Branca.
Para mim ficou o tempo feliz da infância breve. Ainda hoje, quando passo
por um jardim que esteja a ser regado, ou onde a relva esteja a ser
aparada, retorno de imediato ao tempo da terra quente a cheirar a seiva
fresca, aos risos felizes de crianças e adultos, à vida que então corria
doce e despreocupada.