quinta-feira, 25 de março de 2021

Há Vida Inteligente na Terra?


 
Carl Sagan e Losif Shklovsky escreveram em 1966 o livro “A Vida Inteligente no Universo”. Li-o 15 anos depois e foi mais um livro que me marcou.
 
Na altura a tensão entre a URSS e os EUA foi tal que os autores, que não se conheciam pessoalmente, tiveram que arranjar um subterfúgio para não causar problemas ao cientista russo. O texto de sua autoria era precedido e terminado por um delta para que ficasse claro quem escreveu o quê.
Era este o espírito da época, com a ideologia a meter-se onde não deve, na ciência. Ainda que já estivesse-mos longe dos anos de terror do louco sanguinário Stalin, a vida na então URSS ainda era muito policiada.
Isto aconteceu “ontem”. Aconteceu há pouco mais de meio século, e hoje parece inacreditável. Hoje é a Rússia que leva os astronautas americanos para o espaço. O mundo girou muito, deu uma volta de 180º.
Ontem vi mais um episódio da nova série “Cosmos” e tive o prazer de rever e aprofundar mais uma estória triste de interferência da política na ciência. Já mal me recordava disto.
O nome era Nikolai Ivanovich Vavilov. Foi um botânico e geneticista russo que viveu entre 1887 e 1943. Homem bom e discreto, cientista arguto, fez pesquisas por todo o mundo em busca das sementes que deram origem a tudo o que alimenta hoje a humanidade. O seu compromisso foi com a ciência e não com a política, apesar de saber em que país e em que mundo vivia e do terror do regime Estalinista que matou 90%do politburo, amigos e a própria família. O ditador tinha uma filha que o adorava e que teve que fugir para os EUA!
Com uma promissora Carreira pela frente, Nicolai Vavilov foi inicialmente admirado e respeitado pelo seu trabalho, baseado num profundo conhecimento da biologia, das leis de Darwin e das leis de Mendel. A genética, então ainda no início dos estudos, foi atacada e escarnecida por um pseudo-cientista de nome Trofim Denissovich Lysenko (1898-1976) que argumentava que o estudo da genética era uma pseudociência burguesa que procurava dar justificação biológica às diferenças de classe.
Para o invejoso Trofin era possível chegar ao triunfo da ciência proletária sobre a ciência burguesa. A influência de Lysenko sobre a política agrária soviética influenciou a URSS entre 1929 e 1948. A sua ideologia ignorante e contrária à verdadeira ciência foi do agrado do ditador e levou a erros que provocaram a fome e a morte a milhões de pessoas, na Rússia, mas também no infame Holodomor ucraniano. Enquanto Vavilov provinha de uma família abastada, Lysenko era filho de um camponês ucraniano, o qual, para os dirigentes bolchevistas, o colocava num sítio privilegiado.
Trofin roubou o lugar de Vavilov, que acabou condenado e preso, tendo disso morrido.
Hoje, o imenso tesouro de sementes que alimentam o mundo deve muito a um homem que amou a ciência acima de tudo, e que amou a humanidade ao ponto de correr o mundo todo para criar um banco de sementes que mataria e ainda mata a fome da humanidade. Mas a humanidade, mais as suas ideologias, os seus medos, fantasias e delírios costuma matar quem a quer salvar. Quem toca nas fantasias doces em que assentamos costuma acabar mal. Nikolai Ivanovich Vavilov acabou assim: morreu por confinamento e inanição.
 
O episódio de ontem do “Cosmos” foi resgatar esta memória, fez justiça a quem já não se pode sentir justiçado. Mas foi muito mais do que isso, foi também um atestado de morte da velha e infame guerra fria.
Neil deGrasse Tyson passeou pela Rússia, contou esta estória que merece ser contada, talvez até tenha sido um pouco excessivo, não sei. Mas sei que no tempo em que o Sagan e o Shklovsky escreveram em 1966 o livro “A Vida Inteligente no Universo” aquele passeio pela Rússia seria de todo impossível. Era a época de outros medos e de outras desconfianças.

O que o Tyson fez neste episódio do “Cosmos” foi uma declaração de amor dos EUA à “Mãe” Rússia. É bonito, é útil e abre a porta para outras guerras e outros combates que estamos a travar de forma feroz neste momento e bem mais úteis.
Passaram-se 54 anos desde a edição do livro “A Vida Inteligente no Universo”. Meio século. Uma eternidade.
O mundo mudou muito, mas terá que mudar muito mais!

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