terça-feira, 22 de junho de 2010

Corrida de carros

Partia-mos pela estrada sinuosa, cada qual em seu carro. Aceleravas, não conseguia acompanhar-te na corrida. Desafiavas já outros carros para a corrida, enquanto eu ia ficando para trás, impotente, vendo-te cada vez mais longe, enquanto a angústia me invadia. Acordo sobressaltado, com lágrimas nos olhos. Que poder é este que deténs sobre mim, ao fim de tantos anos?! Vai-te embora, não assombres o meu sono!

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Deserto

Caminho pelo meu deserto pessoal, não morro de sede porque os sorrisos dos amigos são como gotas de àgua que vou sorvendo e que me impedem de perecer. Sinto, mas quando sinto estou só. Falo, mas quando falo, estou só. Sonho, mas quando sonho estou só. Ergo os olhos aos céus. Até quando?

domingo, 30 de maio de 2010

Oscilação

Num fim-de-semana de voos nas Bicas, -com muita correria para ajudar nos bil-lugares- parei por breves instantes, surpreendido com a magia de gestos simples: um professor de parapente de outra escola que eu só conhecia de vista, mas que já sabia o meu nome (!) As voaças e as feijoadas de marisco na Azóia, o "brazuca" que ia brincando com um bumerang enquanto o vento não o deixava ir para o ar, e que no fim me convidou para um dia ir voar no seu país. As coca-colas no fim do dia no restaurante das Bicas, e o gesto simples da mão estendida do mestre Pinto, que eu não percebi no primeiro instante que era para mim, e é claro, logo que se fez luz, vão mais cinco. Viva a vida. O sorriso simpes e afetuoso do Homem "do mê cão Stud ", o abraço cumplice da nossa campeã lourinha, as voaças de sonho entre amigos de há um ano ou dois, mas que já são velhos amigos. A confiança no meu mestre enquanto o ajudo a reduzir a lista de espera para bi-lugares, o por-do-sol no final do dia ainda nas Bicas, entre conversas, fotos, risos e silêncios. Por um instante o pêndulo parou de oscilar, por um instante senti o vislumbre da perfeição, em tudo o que foi dito e sentido, entre gestos que têm a grandeza das coisas simples. E a promessa vai-se cumprindo. Voo de corpo e de alma.

sábado, 22 de maio de 2010

Voar é preciso

Voei na Arrábida, voei na Lua e por entre galáxias, almoçámos nas Bicas, ficámos mais próximos. E isso é o que mais importa. Porque estamos vivos e sabemos viver.
Voa miúda, voa sempre, não deixes que te acorrentem os pés à terra! É bom voar contigo!

segunda-feira, 3 de maio de 2010

segunda-feira, 29 de março de 2010

Regresso ao futuro

Sabes, tenho regressado muitas vezes em sonhos à casa grande de Lisboa. Mas nos meus sonhos, essa casa já é passado. Embora a vida ainda seja a mesma, tenho já outra vida. Estou de regresso ao futuro.

O objectivo agora é mais simples. Apanhar boleias de térmicas e subir alto pendurado no meu trapo. Ainda assim, as memórias estão cá. Vivas.

terça-feira, 23 de março de 2010

O que importa. Quem importa


Uma vitória. Afinal os sonhos são realizáveis. Isso importa-me. E vocês também. Muito.

Olá térmica



Pois é, e já enrrolei as minhas primeiras "quentinhas". Domingo, dia 21-01-2010, Arrábida. A meteorologia estava bastante desfavorável durante a manhã, com vento de costas. Ao meio-dia acalmou e soltaram-se os primeiros bafos. Preparei-me para uma primeira marreca, e nem liguei o registo de voo. Resultado, um belo voo de meia hora a subir em várias térmicas. Lição aprendida, voo (curto ou longo), gps sempre ligado! Mestre Zé na aterragem, mais uns quantos "invejosos" no Portinho da Arrábida a servirem de testemunhas. A coisa correu bastante bem, subi alto, mas sem gps não sei a que altura.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Today´s song

Troféu de parapente

E ganhei o meu primeiro troféu de parapente, um 3º lugar fantástico.
Térmica, aí vou eu!

sábado, 13 de março de 2010

Chuva

sexta-feira, 5 de março de 2010

Léo Ferré - Avec le temps

Avec le temps...
Avec le temps, va, tout s'en va
On oublie le visage et l'on oublie la voix
Le cœur, quand ça bat plus, c'est pas la peine d'aller
Chercher plus loin, faut laisser faire et c'est très bien

Avec le temps...
Avec le temps, va, tout s'en va
L'autre qu'on adorait, qu'on cherchait sous la pluie
L'autre qu'on devinait au détour d'un regard
Entre les mots, entre les lignes et sous le fard
D'un serment maquillé qui s'en va faire sa nuit
Avec le temps tout s'évanouit

Avec le temps...
Avec le temps, va, tout s'en va
Même les plus chouettes souv'nirs ça t'as une de ces gueules
A la gal'rie j'farfouille dans les rayons d'la mort
Le samedi soir quand la tendresse s'en va toute seule

Avec le temps...
Avec le temps, va, tout s'en va
L'autre à qui l'on croyait pour un rhume, pour un rien
L'autre à qui l'on donnait du vent et des bijoux
Pour qui l'on eût vendu son âme pour quelques sous
Devant quoi l'on s'traînait comme traînent les chiens
Avec le temps, va, tout va bien

Avec le temps...
Avec le temps, va, tout s'en va
On oublie les passions et l'on oublie les voix
Qui vous disaient tout bas les mots des pauvres gens
Ne rentre pas trop tard, surtout ne prends pas froid

Avec le temps...
Avec le temps, va, tout s'en va
Et l'on se sent blanchi comme un cheval fourbu
Et l'on se sent glacé dans un lit de hasard
Et l'on se sent tout seul peut-être mais peinard
Et l'on se sent floué par les années perdues
Alors vraiment... avec le temps... on n'aime plus

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Tanta beleza

E havia tanta beleza em ti... Foi talvez por isso que tanto tempo esperei. Onde foi que nos perdemos ?

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Falemos então daquilo que a ninguém interessa

“A ideia delirante é sustentada com a mesma energia com que uma outra ideia, insuportavelmente aflictiva, é rechaçada para longe do ego. Assim, eles amam seus delírios como amam a si mesmos. É esse o segredo. […] a referência a si próprio visa sempre comprovar a correcção da projecção.” (S. Freud, «Rascunho H», Anexo à carta a Fliess, de 24 de Janeiro de 1895, in J. M. Masson, 1986: 108-113)
Trecho de reflexão para o exame de Antropologia Psicológica do ano de 2009 da FCSH, José G. P. Bastos

Tem sido um longo período de ausência, mas um corpo à beira da exaustão não é de todo um bom companheiro para o espírito. Todavia estou de regresso. De novo o anjo negro da morte arrecadou para si alguém que em mim deixou muito de si mesmo. Neste momento passa um mês da partida do pai, e é por isso ainda cedo para a ele regressar. O pó voltou ao pó, dilui-te na paz do Deus em que sempre depositas-te a tua fé.
Para contrabalançar a infinita tristeza da perca tenho o meu curso para me ocupar, - e de que maneira, o espírito -, além de um emprego que nos últimos tempos não tem dado tréguas. Entrei em Antropologia pela curiosidade, mais do que pela convicção de que me iria servir para grande coisa. Neste momento tenho todas as cadeiras obrigatórias do curso, e a um semestre do fim fico com a firme convicção de que saio do curso bem diferente do que quando nele entrei. Dos muitos professores fica uma recordação que não se apagará tão breve. Quanto ao que aprendi com cada um, o meu balanço é bastante diverso. Convirá no entanto dizer que para mim antes de mais estão as pessoas e só depois os profissionais. Por vezes não tive dificuldade em avaliar alguns professores com pouco mais do que um medíocre. Estarão ali por acaso, ou porque têm jeito para escrever sobre as matérias que á disciplina interessam, mas definitivamente não têm jeito nenhum para ensinar, e só prejudicam quem de facto necessita do curso. Devo no entanto salientar ainda que não podemos exigir a excelência de toda a gente, e não me compete a mim que estou bem longe dessa excelência almejada arrasar gente em nome de coisa nenhuma, até porque aquelas pessoas estão a dar o melhor de si próprias, em condições perfeitamente deploráveis. Em tom de balanço obriga-me a verdade a que diga que este é deveras positivo e que saio do curso com uma visão muito mais abrangente, de horizontes amplamente mais vastos. Tenho extrema dificuldade em classificar a Antropologia como verdadeira ciência: Cada monografia em que pego mais parece um ritual de passagem, em que alguém para chegar a Doutor teve que contar uma história qualquer, observar uma realidade e descreve-la, para no fim ter uma tese que foi lida (terá sido?) pelos professores que avaliam a tese, por quase mais ninguém. Para quem já passou pelas ciências ditas exactas e que buscam incessantemente a relação causa-efeito, a simples acumulação de monografias será quanto muito um trabalho apenas pré-científico - mas fundamental, para a possibilidade de criação de verdadeira ciência, tal como os astrónomos, físicos e matemáticos a concebem. Não sendo eu um profissional da Astronomia, tenho no entanto algumas observações consideradas como válidas e publicadas pelo "International Lunar Ocultation Center". Sei o que significa medir com rigor uma observação astronómica, sem o qual o trabalho simplesmente não é publicado. Quem se interessa pela história da Astronomia sabe do que falo: Thyco Brahe foi o último grande Astrónomo europeu antes da invenção do telescópio. Durante muitos anos mediu com exactidão a posição dos planetas em relação ás estrelas de fundo, tendo á data da sua morte deixado um valioso espólio de observações que se recusou a dar em vida ao seu discípulo Kepler. Estou agora em condições de avaliar melhor o receio que o mestre tinha de ser ultrapassado pelo discípulo, como acabou mesmo por ser depois da morte. Mas se Kepler viu mais longe, é porque "subiu ás costas de um gigante". Tycho não fez ciência, mas o seu trabalho foi a base para a construção das leis dos movimentos dos corpos celestes de Kepler. Foi o discípulo que construiu verdadeira ciência.
Pegando nesta analogia poderei tentar avaliar o que se passa na moderna Antropologia: antes de mais, as diferentes escolas - Francesa, profundamente etnográfica, mas a meu ver muito pouco científica. Britânica, profundamente empírica e com objectivos claros de controlo dos povos colonizados. Basta pensar em Evans Pritchard e os Nuer do Sudão, ou em Malinowski e os Trobriandeses. Por fim, e dentro da linha em que me considero mais próximo, a escola culturalista Americana, que me parece a mim bem mais próxima da ciência, tal como ela é concebida nas precursoras ciências naturais. E esta visão foi-me dada pelo nosso distinto professor que a mim ministrou as cadeiras de Simbólico, métodos de pesquisa em Ciências Sociais, e sobretudo em Antropologia Psicológica. E é aqui quem convirá falar daquilo a que ninguém interessa. Deixe que lhe diga, meu caro professor, que se me afigura agora que ambos fizemos uma bela caminhada desde o ano passado, e se é verdade que eu creio que estou hoje bem mais próximo das suas ideias, creio igualmente que também o ilustre professor conseguiu vir ao encontro de outras ideias que também são minhas - as tais que eu herdei das ciências naturais -.
Não que eu me tenha tornado um discípulo incondicional: não tenho a capacidade intelectual para tal, e nunca achei boa ideia seguir qualquer "querido líder". Missas e disciplina não são e nunca foram para mim. Tal como já escrevi algures neste blog, ovelhas para mim só mesmo aquelas que eu apascentei quando era criança. Saliento desde já alguns pontos em que poderemos estar em barricadas opostas: sou um atomista - no sentido em que sabemos que hoje tudo se pode reduzir a moléculas, átomos e forças da física. Sou também um racionalista, no sentido em que a razão pode atingir aqilo que nos escapa aos sentidos. Concordo no entanto que a visão do todo a partir de fora é fundamental, só não concordo que seja a única forma de abordar o real. Qualquer bioquímico pode explicar como é que átomos e moléculas podem influenciar comportamentos humanos através de drogas mais ou menos legais. Se pudesse ajudar, recomendaria veementemente a leitura da obra de René Descartes. A feroz oposição do professor ao racionalismo tem as suas razões para existirem, mas deixe-me falhar-lhe um pouco de um homem de espírito curioso e saúde precária que deixa a sua França natal para ir para a Europa do norte ensinar filosofia à rainha da Suécia, tendo aí morrido de pneumonia em 1650. Conta a história que foi no seu leito de enfermo que Descartes criou o sue sistema de coordenadas ainda hoje ensinado nas escolas e liceus, denominado de sistema cartesiano. A observação de uma humilde mosca a passear pelo tecto do quarto levou o matemático a criar um sistema de demonstração gráfica e matemática dos movimentos que é tão válido hoje como o foi no seu tempo. É para mim impossível aceitar de bom grado que uma actividade humana que se quer designar a si própria como ciência (a Antropologia) se possa dar ao luxo de não ser acumulativa, de ter que deitar para o lixo linhas de pensamento, como são exemplos os evolucionismo ou o difusionismo. Tal deriva constante na busca de um modelo apenas me serve para demonstrar que a moderna Antropologia ainda não é verdadeira ciência, e como tudo o que não tem bases sólidas, arrisca-se vivamente a ir parar ao caixote do lixo da história. Não havendo unanimidade nem unanimismo dentro das ciências naturais, não passa pela cabeça de nenhum desses espíritos "deitar para o caixote do lixo" um Newton ou um Einstein! Simplesmente porque o segundo não nega o primeiro, antes lhe acrescenta muito mais. É este efeito acumulativo que falta à Antropologia, e aqui eu concordo com o professor quando afirma que esta é uma falha das ciências humanas. Eu vou mais longe e digo que se continuarmos a escrever extensas monografias sem que disso surjam modelos, teorias, relações causa-efeito, então a Antropologia irá para o caixote do lixo, e será merecedora disso. É aqui que me convém falar de algumas verdades, não no sentido literal ou religioso (as verdades absolutas só existem na religião). As verdades científicas só existem enquanto base para modelos sempre mais profundos e rigorosos. É isso que permite que o astrónomo possa prever com absoluto rigor a vinda de um eclipse ou que um técnico possa operar uma sonda que se encontra nos confins do sistema solar. Claro que um tal determinismo arrepia e incomoda o Ego humano. Às feridas egóicas que já sofremos, chegar um dia à conclusão de que nem da liberdade do nosso espírito somos donos seria mais uma machadada ao Ser que se tem em grande conta, o Ser Humano. E as coisas que a ninguém interessam - e que talvez o professor possa concordar comigo - são par mim as seguintes: aceito como verdadeiro que Copérnico nos causou no século XVI aquela que será a primeira ferida egoica: afinal a Terra - e por consequência o Homem - não está no centro do Universo, (nem de coisa nenhuma), e lá se vai um dos nossos pilares, o de que o Homem foi feito à imagem e semelhança de um Deus todo poderoso e perfeito, curiosamente algo que nós definitivamente não somos. O século XIX causa-nos a segunda ferida egóica: não só já não somos o centro de coisa nenhuma, e além de não termos sido feitos à imagem e semelhança de um Deus todo-poderoso, Darwin diz-nos que somos isso sim descendentes de uma criatura simiesca, ou seja, descendemos de "um macaco". Esta evidência cientifica, ainda hoje rechaçada por inúmeros pensadores coloca uma questão incómoda: Será que o nosso Deus também teve origens simiescas?!
Por fim, o século XX causa-nos a 3ª ferida egóica: o Ser que se distingue dos demais por ser eminentemente racional - e por isso se auto-designar sábio -Sapiens - e que o iluminismo defende, é destruído por Freud que afirma e até certo ponto demonstra que o Sapiens Sapiens é afinal um ser profundamente irracional. E é aqui que passa a linha orientadora da escola culturalista americana, tal como eu a interpreto. Não me oponho a esta ideia de profunda irracionalidade Humana, critico apenas o "efeito de lente" que distorce a visão de uma realidade que afinal deve interessar todos os homens e mulheres de ciência, aqueles que têm a coragem de negar as suas ilusões mais doces em prole de uma realidade profundamente cruel. Saliento aqui a diferença em relação a esta linha de pensamento: é para mim tão errado considerar o ser Humano como fundamentalmente racional como o contrário! Procuremos pois deixar o exercício doce mas ilusório da paixão, para nos concentrar-mos na verdade que o cientista está condenado a buscar, sem no entanto alguma vez a atingir. E a minha reflexão vai agora para os tais factos que a ninguém - ou quase ninguém - interessam. Tanto quanto sei - e aqui creio que o meu ilustre professor concordará - nunca ninguém apertou a mão de Deus: em termos científicos esta é uma questão destituída de lógica, e como tal nem se colocará. Deus não é uma questão científica, logo não interessa às ciências. E no entanto o mundo está cheio de pessoas dispostas a matar em seu nome! Convirá então perguntar porquê? Mergulhemos um pouco na biologia: Desde que a Lucy se colocou de pé e deu origem à longa cadeia da qual todos nós somos hoje o último elo, uma cadeia que parece não terminar aqui, e da qual o que sobressai é sobretudo o aumento da capacidade craniana e em especial o aparecimento do neocortex. o Sítio, ainda que múltiplo e complexo, ou se preferir o multi-sítio onde acontece quase tudo o que nos faz humanos: a arte, a cultura, a religião... 76% do cérebro humano, e afinal aquilo que nos faz tão distintos. Pessoalmente aprecio bastante a ideia da existência de um Deus! às vezes gosto de imaginar que posso conversar com ele, mas uma conversa feita com dois sentidos, em que eu possa falar mas também receba uma resposta. No entanto estou ainda no campo da fantasia: não perdi ainda completamente a ligação com a realidade, não passei - ou acredito não ter passado? - a acreditar nas fantasias que me atravessam o espírito, entrando dessa forma noutra instância a que se convenciona chamar de delírio. E é aqui que volto de novo a encontrar-me com o ilustre professor e com alguns pensadores da escola culturalista americana. Concordo que uma boa parte de cada um de nós vive no seu delírio, individual e colectivo, e que a verdade, por ser fonte de sofrimento, é o que menos interessa ao comum dos mortais. No entanto, acreditar apenas no ser Humano como apenas delirante é negar outra parte que embora talvez não tendo a importância que os racionalistas lhe quiseram dar, é ainda assim real, presente e sobretudo operante nos seres Humanos. Podemos falar de uma boa alegoria: olhando a bandeira desse imenso país que é o Brasil encontramos a frase "ordem e progresso". É quase tudo aquilo que o Brasil não tem. No entanto o ideal está lá, e os ideais não surgem do nada. Ordem e progresso implicam esforço, abnegação, recusa da paixão violenta. Implicam o abandono das mentiras mais doces em detrimento das verdades mais cruéis. Ora este desejo nascido do século das Luzes e aproveitado pelo positivismo, se bem que esteja longe de ser uma realidade concreta, existe no espírito humano, ainda que apenas como ideal super-egóico da Humanidade. Nesta linha de raciocínio eu acrescentaria então mais uma ferida egóica: as raízes profundas do Humano assentam definitivamente no físico. Há registo de experiências em que seres Humanos submetidos aos efeitos do LSD sofreram fortes experiências que classificaram de "profundamente espirituais" e que deram como resultado mudanças profundas de conduta. Creio que é esta forte dependência do físico-quimico que causa resistência por implicar uma diminuição da liberdade do espírito Humano. E creio de igual forma que é a resistência a esta potencial perca de liberdade que leva à recusa por parte das ciências sociais do racionalismo. Freud fala-nos das fontes do sofrimento humano e da construção inconsciente de negação dos mesmos. O mundo físico causa-nos sofrimento, o nosso corpo envelhece e morre e causa-nos sofrimento, e por fim a nossa relação com outros humanos também nos causa sofrimento. Se é verdade que o nosso delírio se constrói contra este sofrimento, também será verdade que uma parte de nós enquanto indivíduos e enquanto grupos tem consciência dessa existência fora da realidade concreta, e luta contra ela. A falha maior na teoria do delírio é quanto a mim a ausência de uma explicação (ao jeito do Vitor Turner) da limenariedade, afinal o fenómeno de limite - o mesmo da física e da matemática- que leva á mudança. Matemáticos e físicos sabem muito bem que é nos fenómenos de limite que devemos procurar a mudança. (Conceitos como limite, derivada ou primitivada são estruturantes para a Física e para a Matemática).
Ao longo da minha vida tenho assistido a alguns factos curiosos: uma amiga profundamente religiosa que sofreu um acidente que a deixou inconsciente e à beira da morte. Um amigo pouco religioso que teve um AVC. Comum a ambos a afirmação que em diferentes momentos me fizeram: quando fechamos os olhos - leia-se, quando morrermos, não há nada! Há certamente um momento em que a razão se sobrepõe ao delírio.
Como explicar que um ser fundamentalmente delirante tenha vindo a abandonar os seus Deuses? Como pode o delírio explicar e expor tudo o que é contrário ao senso comum? Como negar a razão num mundo cheio de computadores, aviões, e todo um apetrechamento de objectos que nos facilitam a existência?

Tal como alguém afirmou um dia, "não é verdade que o Homem é um ser racional, é quanto muito um ser a caminho da racionalidade". (José Saramago).
É por isso que eu procuro olhar para Freud, Kardiner, Ericch From (e tantos outros que eu só irei ler quando acabar a licenciatura, deixando cair o mestrado). Porque é no seu trabalho que eu encontro uma base, ainda que incompleta, para uma compreensão mais abrangente do Humano - detesto a palavra holística, por ser usada de forma pretensiosa, abusiva e sem conteúdo real - Será sem dúvida por esta via que a moderna Antgropologia poderá sobreviver e afirmar-se como verdadeira ciência, passando a Psicologia do individual para o colectivo a partir do diálogo com a Antropologia. Mas atenção: dispensar outros ramos da ciência só porque foram abusivamente apropriados para domínio de humanos sobre humanos, será um erro crasso. Nenhum ramo do saber pode ser ignorado, sob pena de - desculpe a poesia- confundir-mos a estrada da Beira com a beira da estrada. Será no diálogo esclarecido e com uma boa dose de humildade acerca do muito que não sabemos que poderemos tentar aprofundar o nosso conhecimento acerca do Ser que não sendo uma imagem do criador divino, é ainda assim a "máquina mais complexa que o universo criou", pelo menos aqui neste grão de areia perdido algures na Vi-lactea, na ramificação dos braços espirais do Perseus e do Orion.
Concluindo para já, fica um até sempre, e a minha eterna convicção: na vastidão do espaço e na imensidão do tempo, é um privilégio enorme ter partilhado com o ilustre professor esses momentos da existência, ao longo de três magníficos semestres.


SC