sexta-feira, 26 de março de 2021

Amianto

 Há muitos anos que tenho a consciência dos perigos do amianto. Ainda ontem passei na seca do bacalhau em Alcochete, cujos telhados são maioritariamente desta matéria. Está velho e a decompor-se, o que significa que está na fase mais cancerígena da vida deste material. Não é muito grave naquele local desabitado. Não é grave respirar aquele ar por alguns minutos. Mas é grave e potencialmente mortal por cancro do pulmão para quem trabalha ou estuda em locais com amianto. Foram necessárias décadas para comprovar cientificamente aquilo que a simples estatística já dizia: o amianto causa cancro. A indústria de fabricação deste material resistente ao fogo e de grande durabilidade argumentava que sendo uma substância quimicamente inerte não havia perigo e não aceitavam que de facto o seu amianto fosse cancerígeno. Como sempre a indústria protege o seu lucro. Entretanto a ciência fez o seu caminho lento mas seguro: estudou a fundo os indícios seguros vindos da estatística. A resposta chegou tarde para muita gente, mas chegou a tempo de salvar muitas vidas. O amianto foi proibido em Portugal a partir de 2006. Mas porque é que o amianto causa um determinado tipo de cancro? A observação ao microscópio desta substância deu a resposta: este aglomerado de fibras ao envelhecer degrada-se e liberta nuvens de milhões de pequenas agulhas hipodérmicas. Quando inspiramos esta poeira ela vai picar a mucosa olfactiva e os alvéolos pulmonares. Esta agressão permanente obriga á activação dos mecanismos de renovação celular: os tecidos agredidos estão permanentemente a cicatrizar, num processo que se torna uma inflamação permanente. O que a biologia e a medicina provaram é que o despoletar permanente dos mecanismos de regeneração celular leva ao descontrolo dessa reprodução e ao cancro. Durante anos carreguei o peso de saber que o João Pedro frequentou a escola secundária D. Manuel II em Alcochete. Uma escola cheia de amianto. Não sendo pai, e não tendo voz activa gestão desta escola, pouco mais podia fazer do que ir às reuniões de pais e manifestar a minha preocupação. Numa dessas reuniões, ao questionar o director de turma acerca deste problema, um dos pais começou a rir. O problema não foi só o riso do labrego ignorante e atrevido. Ele também tinha lá o filho. O que me surpreendeu foi a ausência de tantos pais na reunião, e o silêncio despreocupado e indiferente dos poucos pais presentes. Houve uma única e honrosa excepção: a avó de uma menina que afirmou que a sua neta sofria de rinite e que o médico lhe tinha perguntado se havia amianto na escola. A senhora não sabia estabelecer a relação, mas quando me ouviu percebeu que realmente o amianto era perigoso. O João andou 3 anos nesta escola, e eu vou andar apreensivo por causa disso. A exposição ao amianto só se manifesta ao fim de 20 ou 30 anos. Parece que finalmente o país acordou para este problema. O amianto é mesmo para desaparecer de vez. Todos nós temos a obrigação de exigir que todo o amianto seja retirado dos nossos edifícios.

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