domingo, 21 de março de 2021

O Fogo de Eros

"Quem começa a queimar livros acaba a queimar pessoas".

É jovem, padre, e escreveu o texto da imagem.
Defende que as novelas amorosas são perniciosas para a "piedade", e que melhor seria queimá-las.

Todo o texto é uma confissão: é a confissão da luta de um homem consigo mesmo. Um homem perfeitamente funcional, num conflito insanável ente o ego e o superego, entre as suas vontades, desejos e anseios, e a bagagem cultural imposta que choca com a sua natureza. Ele chama-lhes "demónios". Noutro tempo chamam-lhe-ia Eros, desejo sexual, carnal, amoroso. Mesmo que esse desejo seja classificado pela cultura como "imoral", "abjecto", "criminoso".

E o conflito é esse. Faltou a este homem o apoio de um mentor, de uma hierarquia, de alguém mais velho e ponderado que o tivesse travado antes de publicar um texto que fala apenas e só de si próprio. Que confessa os seus demónios. Que não sabe dominá-los. Que em última análise nem sequer são demónios, mas apenas conflitos internos.

Alguém o poderia socorrer e explicar que fantasmas e demónios costumam morrer quando expostos à luz do dia. Mas parece que ninguém deitou a mão a este jovem.
Um homem que escolheu um caminho próprio, a via eclesial.
E o que preocupa, assusta e faz pensar é o pensamento medieval deste homem.
Noutro tempo, outros como ele detinham um poder imenso e usaram esse poder : para queimar livros e pessoas. Agarrados aos seus medos e superstições. Tomados pelos seus "demónios" que projectam no "outro", por não os suportarem a si mesmos.

Não é um homem intrinsecamente mau: é um homem bom ainda em busca de si mesmo, à procura de apaziguamento, de aceitação de si. Pode acontecer, e espero que aconteça, que atinja esse nível de consciência e de aceitação. Acredito que é um homem bom e que acabará por apaziguar-se consigo e com o mundo, aprenderá que a compaixão é o caminho, não a censura de outros e de si mesmo. Mas a outra possibilidade é a de ser incapaz de fazer esse e exercício. Esses, a história já o demonstrou, nunca se libertam, nunca atingem a paz interior, e esses sim, são um perigo para a humanidade, nunca o reconhecendo. As suas crenças e atitudes são sempre em nome de um bem maior.
Só que não!

Se quer ser um homem de Deus, se quer ser pastor de algum rebanho, então o caminho a percorrer ainda é longo. Pode começar por lembrar que Jesus nunca condenou o amor, que o Deus em que acredita tudo cria, e só ele pode ser juiz. Que Cristo disse que devemos amarmo-nos uns aos outros, amar o próximo como a nós mesmos. Que é necessário ir além da justiça para chegar ao amor.
Não: queimar livros nunca é um caminho, e certamente nunca será o caminho de um sacerdote.
Alguém lhe possa dar a mão, que o ajude a abrir horizontes, a aceitar a humanidade, dos outros e a sua, cheia de dúvidas e defeitos, mas também de virtudes.
Sobretudo alguém lhe explique que quem deseja queimar livros também deseja queimar pessoas, e que a única coisa que ele verdadeiramente quer queimar são os sentimentos que tem dentro de si e que jamais conseguirá isso, porque esses desejos são eles mesmos feitos de fogo.

Alguém lhe expliquei que há rios que não admitem barragens, e que a vontade de Eros é indomável, impossível de contrariar. Que não há nada de errado nisso, que aquilo que nos é oferecido por Deus ou pelo universo é bom e para ser usufruído em paz e alegria.

m: Públic

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