quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Velharias e antiguidades


Raramente consigo gostar de um objecto antigo. Raramente desenvolvo afecto por objectos. Eles apenas existem para nos servir.
Sempre que ia à feira-da-ladra, ou se entrava num antiquário, acontecia a mesma sensação pouco agradável, da carga que os objectos com alguma antiguidade me causavam. Não aprecio particularmente a presença de objectos antigos próximos de mim. Sei que pertenceram a alguém, que essa pessoa talvez tenha tido afecto ou qualquer sentimento de pertença com o objecto, e se eu me apropriasse do objecto, estaria a "roubar" algo a alguém, mesmo que esse "alguém" seja já apenas pó, memória, ou nem isso. Sei ainda que (felizmente) há pessoas que gostam verdadeiramente de antiguidades, da história que cada objecto carrega. Ainda bem que existem. Nada contra, tudo a favor. Surpreendo-me comigo próprio em contradição! Adoro a antiguidade dos objectos e das coisas, desde que muito antigas. Recordo as visitas ao Museu Britânico. Meu Deus, o primeiro confronto com os frisos do Partenon, e as lágrimas que não consegui conter. Os bustos de Péricles, de Adriano, de Antínoo, a Pedra Roseta, a estatuária monumental da Babilónia... poderia passar anos dentro do Museu Britânico sem me cansar! Paradoxo? Talvez. Qual a fronteira então que me faz distinguir os objectos não desejados, dos desejados, admirados, que não me causam desconforto? O tempo. Porque se na minha cabeça for imenso, então consigo "filtar" o desejo, o sofrimento, a história que fazem a "alma próxima" do objecto. Passa a ser um tempo distante, filtrado, onde o rio do esquecimento já foi passado, em que me posso dar ao "luxo" de ver apenas o lado mais belo que o objecto conta. É quando eu já não posso imaginar uma pessoa concreta, mas apenas pessoas abstractas, que eu posso aproximar-me desse objecto sem a "sensação do ladrão". É por isso que me deleito com a ideia que um dia toquei (sacrilégio, hoje já não o poderia fazer, mesmo que quisesse, uma redoma de vidro protege a peça) a Pedra Roseta".

O meu desprendimento dos objectos tem, como em todas as regras, a excepção: o meu telescópio, máquina fantástica em que investi tanto do meu tempo de jovem na sua construção, que me permitiu e permite magníficos momentos de evasão, de comunhão com o Cosmos! A este objecto, confesso, tenho algum afecto. Se o perdesse sofreria com isso.

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