sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Pássaros


10 anos. Parece que foi ontem, mas já lá vão 10 anos! Decidiu a família "dar um pulo" até ao outro lado do Atlântico, mais concretamente, até ao Canadá. Mais de um mês a dormir (mal) numa cama minúscula. Mas valeu a pena - terá mesmo valido a pena, em todos os sentidos? Relembro com prazer o reencontro da família, as cataratas do Niagara, a praia do lago Erie, meu Deus, aquilo só é lago com muito boa vontade. Lembro a praia de areia branca, ondas como num mar, e um lago que se denuncia apenas quando mergulho e percebo (finalmente) que a água é doce!!! O gigantismo é tal que não se vê o outro lado! Soube muito tempo depois que sentiste isso como abandono, que as duas vezes que te telefonei não foram suficientes. E sei também que nunca me permitiste a redenção desse pecado. Enfim, ninguém é perfeito, e mesmo quando damos o melhor de nós mesmos, isso nunca será suficiente. Uma nuvem tolda o meu pensamento. Quão leve era então a nossa ligação. Leve como o peso de um passarinho a que chamei Ambrósio, e que me visitou frequentemente durante aqueles dias de Agosto em Toronto. Um dia apareceu à janela da cozinha, esvoaçando. Aproximei-me dele cuidadosamente. Não demonstrou grande medo, embora no primeiro dia mantivesse uma distância de segurança.
Peguei num pedaço de bolo, atirei-lhe umas migalhas. Não fugiu. Comeu as migalhas que caíam. Pouco depois perdeu o medo de mim, e aquele pequeno ser selvagem passou a vir comer na minha mão! Todos os dias, invariavelmente, lá estava o Ambrósio (para deleite meu e da família)! Se eu estava desatento, esvoaçava e dava pequenas bicadas no vidro, chamava por mim, e só se ia embora quando já se sentisse saciado. Não me esqueci deste acontecimento trivial. Sei que ficou gravado para sempre na minha memória. Sei que um dia irei ter tempo para pôr um comedouro na varanda da minha casa, que irei habituar alguns "habitantes emplumados" das redondezas à minha presença, e que um dia a passarada brava e assustadiça de Portugal poderá vir também comer na minha mão. Esta é sem dúvida uma das tarefas mais importantes para o futuro. E sei também que me irei lembrar de ti nesses momentos, enquanto a leveza dessas pequenas vidas pesar sobre as minhas mãos. Estarei então como sempre sozinho, tal como tenho estado nestes últimos 10 anos.



Asas fechadas
São cansaço ou queda
Pedra lançada
Ou vôo que repousa
Ai, meu sorriso, a mim entrega
E meu olhar não ousa...

Asas fechadas
Dizem dois sentidos
Ambos iguais
E versos verticais
No teu sorriso só pressinto
Um sofrimento mais...

Asas fechadas
Desce quem subiu
Buscar a terra
É ter fé lá no céu
Nos sorrisos indecisos
Outro sonho nasceu...

Asas fechadas
Sonho ou desespero
Ponto final
Ou ascensão sem par
Nestes sorrisos espero
Por não saber chorar...

É prudente o silêncio
De quem só sabe sonhar...

Alain Oulman



Sem comentários:

Enviar um comentário