sábado, 3 de abril de 2021

Terras-fetiche


Rio de Onor é terra fetiche para a antropologia portuguesa.

Aldeia fronteira com Espanha, serve para pôr em evidência anacronismos que parecem naturais para os poderes remotos de Lisboa e Madrid. Ali a fronteira também existe entre as duas Onores, mas tinha, e ainda tem, significados distintos e por vezes opostos aqueles que designam nações ou países. "Para lá do Marão mandam os que lá estão", ou, recitando o mantra que o nosso senhor Malinowski nos ensinou, "from the native point of view", vistos a partir da varanda, "para cá do Marão mandam os que cá estão".

Em rio de Onor ser português ou espanhol pouco importava para quem vivia em comunidade desde tempos remotos. Falava-se um dialecto derivado do asturo-leonês, partilhavam-se terras, lameiros, rebanhos, fornos comunitários. E se Madrid ou Lisboa impunham identidades diferentes, "os que lá estão" adaptavam-se às leis vindas de longe: quando se impunha uma fronteira à séria, havia sempre um contrabandista, um polícia (não raras vezes irmãos, ou primos ou parentes próximos) que lá iam driblando leis e fronteiras e tirando partido de uma linha imaginada por outros que também ali queriam mandar.
Hoje a realidade é outra, na União europeia não há fronteiras internas. Mas a realidade não se mede por instantâneos, há que olhar para um tempo longo e tentar apreender contemporaneidade. Ontem Rio de Onor português ou a Rihonor de Castilla estiveram como sempre juntas a seguir o duelo simbólico entre Portugal e Espanha. O futebol encarna hoje antigas dinâmicas identitárias tribais. Como eu teria gostado de ter estado ente eles a tomar o pulso a esses sinais de pertença. Quem terá vencido ali? Portugal, Espanha, ou, à semelhança do jogo, houve também ali um empate?! Saudades das aulas de antropologia!

 

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