sexta-feira, 2 de abril de 2021

Panteão

O panteão deve servir como repositório da nossa identidade enquanto povo. Pela definição de panteão, ou mesmo comparando com outros, apenas devemos depositar lá os maiores ente os maiores. E apenas quando o tempo e a história demonstrarem que se tornaram símbolos da nossa cultura e de forma bastante consensual.

Nunca achei que o Eusébio merecesse tais honras. Oficialmente foi para lá por ter dado muitos pontapés numa bola. Creio no entanto que no inconsciente nacional está implícito um pedido de desculpas pela escravatura negra que Portugal praticou durante séculos. Um negro no panteão nacional sublima esse desconforto histórico. Se tivesse sido um homem das letras, da ciência, da arte ou da cultura nada teria a opor. Mas era um homem do futebol. O seu panteão era o estádio do Benfica. Já quanto à Amália não me repugna, embora acredite que deveríamos ter esperado mais tempo. Seria esse o factor diferenciador. No entanto a Amália incorpora a essência da cultura portuguesa do século XX e creio que todos estaremos de acordo, está acima da luta política e será lembrada pelos séculos.

Zeca, Salgueiro Maia, ou Soares são figuras incontornáveis da nossa vida política, mas não creio que atinjam "alturas de incenso". A grande figura que lá colocaria seria Aristides de Sousa Mendes: humano e justo numa das épocas mais negras da história, ficou só contra o mundo, mas de bem com a sua consciência. Pagou com a miséria, sua e da família o facto de ter sido justo e humano numa altura em que o mal andou à solta. Talvez não tenha sido santo, mas os 30000 que salvou são os melhores advogados.

Neste país de hipócritas, governado por elites pífias e habitado por um povo inculto, mais disponível para paixões futebolísticas do que para a poesia, o panteão corre o risco de se tornar num símbolo de vulgaridade e desdém de um Portugal que teve um papel determinante no mundo.

No fundo o panteão é apenas um espelho que apenas reflecte aquilo que somos. Gostamos nós de ver aquilo que ele reflecte? Quem lá queremos no futuro? Aristides de Sousa Mendes, ou deixamos o espaço (que é curto) para lá depositarem o CR7 ou o Mourinho? Vamos escolher, ou nem sequer merecemos ter um tal monumento?

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