domingo, 16 de novembro de 2008

A ponte & o Cristo Rei


Foi um tranquilo início de noite de sábado, ainda que em pleno Bairro Alto. Um velho amigo que se ausentara por mais de um ano havia regressado a Lisboa, e com o regresso o inevitável jantar no "Sinal Vermelho", que já se tornou um ritual. Ambos apreciamos a tranquilidade do local no início da noite de sábado. A comida excelente, a simpatia dos donos e funcionários, o espaço desafogado (dentro dos padrões do Bairro Alto), tudo leva à nossa "amena cavaqueira" de quem se conhece muito bem, e tem um ano de conversa em atraso. Quando a nossa refeição termina, já a avalanche de clientes se junta à porta, esperando por lugar. sorrimos, como sempre. Nenhum de nós embarcou alguma vez no "filme" do jantar às 11 da noite!
Resolvemos ir tomar o café noutro local. Sugiro-lhe um pequeno bar com esplanada junto ao miradouro do Adamastor. O facto de ficar um pouco mais baixo faz com que passe discreto (felizmente). E àquela hora ainda não se abriu o "clube charro" que nos últimos anos se reúne junto ao Adamastor. A serenidade do início de uma noite sem vento, sem frio, e com uma Lua ainda cheia convidavam à pequena esplanada debruçada sobre o Tejo.
Quando nos aproximamos do local, um jovem casal de estrangeiros aproxima-se. Ela, magra, belíssima (viria a saber um pouco mais tarde que é italiana). Ele, alto, louro, falando um português bastante perceptível com forte pronúncia nórdica, um "ariano puro", de Weimar (informa-nos. Alemanha - desconfiado que ninguém ali saberia da antiga república de Wiemar). Pergunta-nos o jovem se o palácio ao lado, de portas escancaradas se podia visitar. Digo que sim, que habitualmente acontecem exposições e eventos visitáveis. Agradece. De seguida, com um sorriso largo no rosto, pergunta-nos se conhecemos a letra do "mais famoso fado português". Começa a trautear "de quem eu gosto, nem às paredes...). Conheço perfeitamente o dito fado - haverá algum português que não o conheça? - mas de repente não consigo lembrar a letra completa. Digo-lhes que não sou o melhor apreciador de fado do mundo, mas que Amália é para mim um caso aparte. Desconhece o nome. Pego num papel e escrevo-lhe dois ou três nomes de referência, para uma possível pesquisa na net. Amália, (é claro), mas também o Carlos do Carmo, a Hermínia e o Marceneiro. Agradece-nos (a namorada não fala português). Digo-lhes que vamos tomar um café ali ao lado, e fica o convite ao jovem casal para se juntar a nós. Eles dirigem-se ao palácio, nós seguimos para a esplanada. Alguns minutos depois aparecem. Não quiseram pagar 10€ para ver uma exposição de mobiliário moderno. Reiteramos o convite, e aí vamos nós tomar um café. Do seu lado, pediram um moscatel de Setúbal (boa escolha, penso eu). A jovem, apesar de não falar português, entende a maior parte da conversa. O meu amigo, por seu lado, só fala português. Desta forma, o diálogo foi-se desenvolvendo entre o inglês, o português, o alemão, o francês (que partilho com a jovem Sophia) e o italiano. Que bela representação da Europa. Ali estava um grupo improvável, de cidadãos desta Europa que tem de facto - cada vez me convenço mais disso, uma matriz comum, que tem assuntos que a todos nos toca enquanto europeus. A diversidade, sobretudo das línguas, os diferentes fenótipos, mas coisas em comum. Voltamos ao fado, às suas prováveis raízes, à Mouraria. Explicam-nos que são estudantes Erasmus. O jovem Alemão confessa que Portugal foi uma aventura no desconhecido, mas demonstra estar rendido. Fala inclusive em comprar casa. A jovem não me parece tão convencida, diz meio a rir meio a sério (preocupação?) que o seu namorado se apaixonou pelo nosso país. Ora aí está algo digno de ressalva. Um alemão apaixonado por esta comunidade imaginada a que chamamos Portugal (ainda que imaginada há muito mais tempo que outras, como a Alemã, a Italiana, ou qualquer outra nacionalidade Europeia). Vou relembrando a letra do fado que o jovem me tinha pedido, e vou-lha dizendo. Falamos dos respectivos cursos, (surpreendem-se por andar na universidade tão velho), fala-mos do mundo, de cultura. Entrego-lhes um pequeno papel com o meu mail. Em breve teria-mos que ir embora, mas parto com a sensação de que ficou ainda muito por dizer, por partilhar, neste encontro improvável, mas muito, muito enriquecedor. Tinha conhecido o Mosteiro de Alcobaça. Quer saber quem repousa nos dois túmulos nas laterais da nave central. Falho-lhes da nossa versão (real) de Romeu e Julieta, de Pedro e da bela Inês, que depois de morta foi rainha, do mito do "beija mão", do porquê estarem de frente um para o outro . Numa Europa que traz consigo tantas guerras e devastação, ficou este pequeno apontamento. Uma ponte entre pessoas tão diferentes e tão iguais, com a 25 de Abril que brilhava lá mais em baixo, com um enorme Cristo Rei que parecia estar mesmo a abençoar Lisboa. Creio que ainda nos voltaremos a juntar todos, pois quando partimos ficamos todos com a sensação de que ficou muito por dizer, por contar. Se assim for, será seguramente um prazer.


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