sábado, 13 de abril de 2019

Juncos


Lembraste-me agora de um tempo antigo, embora para mim pareça que foi ontem: há na Lourinhã uma quinta milenar, a quinta da Moita longa, a uns 2 quilómetros da casa dos meus pais. 
A quinta deve ter tido origem durante a ocupação romana, como atestam o bosque de loureiros e a muralha romana. Um tal cônsul romano de nome Laurus terá vivido por lá e terá dado o nome à Lourinhã. 
No limite da quinta, e num vale cavado corre um ribeiro que esconde umas ruínas interessantes: dois tanques enormes de pedra encimados por uma fontainha, um poço cheio de lodo, muitos choupos, e juncos, muitos juncos. Era aí que o meu pai e o meu tio Armando iam todos os anos apanhar os ditos juncos por alturas de Agosto. Mais tarde esse junco seria usado na empa das vinhas.
 É esse tempo que agora recordo, os homens a arrancar junco dos charcos, as mulheres sentadas à sombra fresca do choupal a escolher as melhores plantas, que espalhacam em leques de verde para secarem no cão, e as crianças - onde me incluía - a brincar no ribeiro e nos charcos, a apanhar peixinhos e cobrinhas de água, ou enguias que os adultos fritavam para o almoço. 
Posso fechar os olhos e retomar a esse tempo feliz. Sinto o cheiro da terra quente e húmida, fértil como só a terra rica em água e húmus consegue ser. Vale pequeno e esquecido, hoje totalmente perdido entre canas e silvados.
 
Sinais de um tempo menos antigo, (só tem mil anos), em que os monges e engenheiros da ordem de Cister secaram aquelas terras pantanosas  e onde hoje restam os vestígios de pedra desse esforço que fez recuar o mar mais de uma dezena de quilómetros, até à Areia Branca. Para mim ficou a memória do tempo feliz da infância breve. 
Ainda hoje, quando passo por um jardim que esteja a ser regado, ou onde a relva esteja a ser aparada, retorno de imediato ao tempo da terra quente a cheirar a seiva fresca, aos risos felizes de crianças e adultos, à vida que então corria doce e despreocupada.

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