segunda-feira, 30 de maio de 2022

Linguagem simbólica. In memoriam, Saudoso professor José Gabriel Pereira Bastos

 


Do saudoso José Gabriel Pereira Bastos, levado pela covid:
 
"Sérgio, estes “desenhos abstractos” são parte da linguagem simbólica dos índios Tukanos do Uaupés, na Amazónia Colombiana, estudados por Reichel-Dolmatoff.
I. Fiz publicar em Portugal (Análise psicológica, nº 2 / ISPA, Janeiro de 1978: 87-102) o artigo em que RD expunha este código, dado que as suas implicações científicas eram enormes - lado a lado com cada figuração geométrica, os informantes forneciam a tradução verbal, genericamente libidinal. Tínhamos na mão a "Pedra de Rosetta" do simbolismo libidinal.
Sem se aperceber das implicações da sua descoberta destes códigos, básicamente libidinais (embora os mencione como um "simbolismo universal"), escreveu o antropólogo: "Se a interpretação do simbolismo Desana seguiu uma orientação um tanto ou quanto Freudiana, isso não deriva de uma posição apriorística do autor, mas das convicções do informador ...". (in Desana. Le symbolisme universel des Indiens Tukano du Vaupés, Paris: Gallimard, 1973: 19)
II. Este simbolismo pode ser encontrado desde o paleolítico, em todo o mundo, nomeadamente nas fronteiras dos corpos, protegendo-os magicamente ou condenando-os (tatuagens, roupas femininas, cestaria e olaria, colares e pulseiras, paredes, janelas, portas e varandas das casas e igrejas, pavimentos da calçada portuguesa, monumentos, estruturas arquitectónicas, esculturas e inscrições, etc.).
III. Juntei 10 destes símbolos com 10 símbolos indo-europeus, fáceis de detectar em Portugal (e não só). Criei um instrumento de pesquisa. Testei 150 alunos durante 5 anos. Estes jovens sem qualquer aprendizagem cultural (e até com a prevenção contrária, de que figuras geométricas são desprovidas de significado) sem dialogarem entre si, e recusando a hipótese de que "nenhuma" associação teria sentido (podiam tê-lo feito), concentraram as associações em proporções que atingiam 85% de convergência, quando deveriam rondar os 10% se fossem produzidas "ao acaso" - estava demonstrada a teoria freudiana do inconsciente libidinal e liquidada a teoria do relativismo cultural, suporte da antropologia euro-americana, desde Boas.
IV. Publiquei os resultados em português, francês e inglês, em Portugal e França, depois de os apresentar em Colóquios de língua inglesa (em Ghent, Bélgica, num congresso PSYART; e no Porto, num congresso ImPACT) sem reacção nem de psicanalistas nem de etnólogos, incapazes de qualquer problematização teórica. Concorri a um Prémio de investigação de uma das melhores revistas americanas de psicanálise; não ganhei, não fui convidado a publicar mas recebi o feedback que estes factos eram "intrigantes".
V. Os detentores de verdades dogmáticas estão cegos, nada descobrem e nada aprendem, rezam ao Racionalismo e repetem 'credos' disciplinares. As resistências irracionais dos Racionalistas Académicos garantem a inexistência de qualquer Ciência integrada do Homem e coleccionam 'disciplinas' descritivas e museológicas, entre si incompatíveis, fechadas nos seus Antolhos míticos
VI. Referentes simbólicos libidinais destes "desenhos (ditos) decorativos": vulva, útero (fecundo / estéril), mamas, pénis, esperma, incesto, acto sexual, sexualidade legítima. linhagem (lá como cá).
VII. Os Tukano também tinham um código simbólico, com as 3 cores básicas (amarelo = masculino; vermelho = feminino; azul = ‘espírito’), recusando os restantes 9 lápis de cor que lhes eram fornecidos. Sobre o simbolismo das cores, cf, também Victor Turner.
VIII. Também utilizei este instrumento de pesquisa com amostras hindus, no Gujarate e em Lisboa. O sistema de variantes mantém-se pertinente.
IX. O que antropólogos designam depreciativamente como “artes decorativas”, atribuídas à 'ignorância' das mulheres (Gell), são, funcionalmente, códigos simbólicos desenvolvidas nos rituais masculinos, com funções mágicas defensivas (contra o adoecimento e a morte) e propiciatórias (da fecundidade), com pleno curso inconsciente (não racionalizado nem racionalizável e por isso sem discurso partilhável) no mundo ocidental e não apenas entre ‘primitivos’.
X. Se quiseres, posso enviar-te as referências bibliográficas do RD (cego para a sua descoberta), de Gell (pela negativa) e minhas (cim base empírica, controlo matemático e desenvolvimento teórico.

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