segunda-feira, 30 de maio de 2022

Índios e Presidentes


 Façamos o seguinte exercício: imaginemos que somos um índio que, por volta de 1500, se encontra sozinho numa praia de um território que mais tarde se haveria de chamar Brasil. Imaginemos que o nosso índio tenha avistado uma enorme “canoa”, de velas enfunadas e com uma cruz vermelha pintada em cada vela. Imaginemos que, com um esforço adicional, esse índio solitário tenha conseguido avistar, dentro da dita “canoa”, figuras quase tão humanas como ele mesmo. Ninguém mais avistou a dita canoa. Todos os outros membros da tribo estavam na floresta a cuidar dos afazeres; gente com mais bom-senso, e portanto mais interessada em encontrar alimentos ou combater tribos inimigas, do que ficar a passear numa praia, imaginando o que estaria do outro lado da vastidão infindável do oceano. Mas o nosso índio não. Ele sonhava, e queria saber. Quem sabe se a morada dos Deuses não estaria justamente do outro lado desse oceano? Afinal, as figuras que ele avistou eram semelhantes a si mesmo. Pareceu-lhe que tinham cabeça, tronco, braços e pernas como ele. Mas, ao contrário de si mesmo, estavam vestidos dos pés à cabeça, e pareciam manejar artefactos que lhe pareceram tão fantásticos quanto a enorme e exótica canoa que os transportava. Afinal, a hipotética morada dos Deuses seria tão diferente e oposta ao seu mundo, ou pelo contrário, aquilo que existisse do outro lado eram apenas e mais ou menos uma recriação do seu próprio mundo? Seriam as criaturas que vislumbrou os Deuses de que a tribo tanto gostava de falar? Seriam benévolos, ou pelo contrário maléficos? Viriam estes estranhos visitantes falar com a nossa tribo, ou seguiriam o seu caminho, ficando ele apenas como uma estória boa para contar, talvez à volta de uma fogueira onde de cozinhava a próxima refeição?

 

Imaginemos finalmente que o nosso índio acabou por desistir de ver ou entender mais sobre a referida canoa, voltando costas ao mar e embrenhando-se na floresta em busca dos seus. Quando lhes conta a sua estória, recebe em troca um misto de curiosidade e de troça, misturada com algum medo. Uma canoa gigante com homens dentro, podia lá ser?! Nunca ninguém tinha visto tal coisa. O nosso pobre índio terá passado o resto da vida sendo alvo da chacota da tribo. Toda a gente sabia que ele era muito dado ao sonho e à imaginação, e que do outro lado do mar (talvez fosse infinito, mesmo do alto do monte mais alto não se via o fim) não havia nada nem ninguém. Pelo menos assim o afirmavam os velhos sábios e os Xamãs da sua tribo.

 

Do ponto de vista de um nativo brasileiro, o velho mundo que assomava ás suas portas em 1500, trazido pelas naus de Cabral, era isso mesmo: um outro mundo, repleto de novidades e de perigos. Eram humanos como eles, mas transportavam em si doenças mortais. Vieram com a cobiça nos olhos, e não se coibiram de torturar, matar e roubar o que encontravam. O choque tecnológico era abissal; nenhum índio podia combater eficazmente o invasor vindo do mar. As suas armas e a sua tecnologia eram invencíveis. Os novos senhores do mundo, trazidos pelo mar, rapidamente entraram e conquistaram o seu mundo. Nos seus espíritos vinha o desprezo; para eles, o nativo era considerando como sub-humano. A sua cultura, como a sua tecnologia e civilização, eram consideradas inferiores, e havia um novo mundo a conquistar. O resultado desse encontro, e desde a Patagónia ao Alasca, consta dos livros de História moderna: o quase extermínio de toda a população nativa das duas Américas.

 

A Terra já não tem “novos mundos” a descobrir. Nenhum recanto do globo ficou por encontrar, nada escapa aos espiões que povoam os céus desde há cem anos.  Mas esta constatação não transporta em si nenhuma promessa de segurança. Quando deixámos de olhar para o mar aprendemos a olhar para esse oceano infinitamente mais vasto que é o Cosmos. E nos dias que vivemos, a cada dia, novos mundos são revelados a este mesmo velho mundo que, a bem ou a mal, temos vindo a unificar. Verdade seja dita, são mundos infinitamente distantes e a nossas “canoas”, mesmo quando impulsionadas por modernos e potentes foguetes, não nos conseguem levar até eles.  Tirando uns quantos objectos do sistema Solar nenhum planeta extra solar poderá ser um dia visitado, tanto quanto a moderna ciência nos parece impor. As estrelas, com os seus  séquitos de planetas, estão para já vedados à Humanidade. As leis da física e da relatividade e a temível lentidão da velocidade da luz parecem querer impedir-nos de algum dia abandonarmos o nosso lar primordial em direcção ás estrelas. A menos que, e como essa mesma física ás vezes parece apontar, existam caminhos mais curtos entre dois pontos do que uma linha recta. Talvez o tecido do espaço tempo permita mesmo a sua expansão e contracção, permitindo dessa forma percorrer os anos-luz sem com isso violar as leis da física.

 

Faz parte da mitologia moderna: toda a gente fala sobre aquilo que não existe, mas que uma larga maioria da população diz ter visto: objectos que se deslocam no céu, fazendo manobras e atingindo velocidades que nenhuma veículo feito por humanos pode alguma vez atingir. Não estou a falar da ridícula e famosa área 51. Uma instalação militar supostamente secreta algures no estado do Nevada e que só muito recentemente o governo dos E.U.A. assumiu existir. Ver veículos anómalos a voar na zona não é nada de surpreendente, nem faz com que as visitas de supostas entidades biológicas extra-terrestres pareçam ser verdade: foi lá que os aviões de topo dos militares americanos foram desenvolvidos. Desde o célebre U2, passando pelo black bird, aos aviões de tecnologia stealth (invisíveis ao radar), até ás asas voadores, tudo isto foi feito por lá. foi também nesta instalação militar que os norte-Americanos desmontaram peça a peça um caça Soviético. Mas não é disso que se trata. Trata-se antes de tentar entender se, no meio de um ruído infernal e de um oceano de lixo que povoa o ciber-espaço sobra alguma coisa que verdadeiramente mereça a nossa atenção.  

 

Vem isto a propósito de uma entrevista feita à candidata presidencial dos E. U A. Hilary Clinton sobre o fenómeno OVNI (Objecto Voador Não Identificado). Há apenas 10 anos Barack Obama respondia com uma sonora gargalhada a essa mesma questão. Hilary Clinton reage de modo diferente, e, num esforço de demonstração de que se encontra um passo à frente,  informa o entrevistador que já não se designam por OVNIS, mas sim por Fenómenos Aéreos Inexplicados. Muda o quê? A forma de designação, quanto muito! O que surpreende aqui, pelo menos os mais desatentos, é o que está implícito em tal afirmação: o reconhecimento de que se passam na atmosfera terrestres fenómenos inexplicados. Afinal, aquilo que gente comum vem dizendo há décadas, muitas delas ignorantes sobre tudo o que se passa na atmosfera terrestre, como por exemplo os sprites, enormes descargas eléctricas na alta atmosfera.  Mas também gente bem posicionada - onde se contam astronautas ou  altas patentes militares, só para citar alguns -, acaba por merecer de altas figuras da política mundial algum interesse. Desta entrevista feita a Hilary Clinton e dos artigos da Scientific American ou do artigo do New York Times, não é nenhuma afirmação ou confirmação da existência de vida inteligente no universo nem muito menos a sua vista ao nosso planeta.  Mas há algo de novo no ar: gente séria e capaz de encarar de frente a questão, apesar do medo do desconhecido que, à semelhança do nosso índio pré-cabralino, nos leva em manada a oscilar entre o medo e a chacota, e tem também por isso mesmo afastado gente séria da ciência.

 

Do meu ponto de vista é para já simples lidar com esta questão: afirmações incríveis exigem provas incríveis, e essas eu não as vi. O que não significa que elas não existam. Eu posso estar na mesma posição em que se encontravam ou restantes índios no dia em que um único membro da sua tribo viu as primeiras caravelas portuguesas. Pode acontecer que, da mesma forma que a soberba da Igreja impediu as autoridades eclesiásticas da sua época de aceitar as descobertas de Galileu e do seu telescópio, possamos agora estar a cair no mesmo erro: quem detém o poder não gosta de o ver questionado, e os cientistas da actualidade ocupam de alguma forma o lugar de poder que antes pertencia à Igreja. Mas os sinais estão aí.  Aprecio aqui a coragem de entrevistador e entrevistados e a coragem de uma publicação como a Scientific American de abordar este assunto. Aprecio sobretudo a sobriedade com que  Clara Moskowitz, editora sénior desta prestigiada revista aborda esta questão. Parece que já nem todos os cientistas sérios  fogem da matéria, apesar da assumpção da ignorância, e do cepticismo que o saber científico implica. Mantenha-se então a mente aberta, mas não ao ponto de deixar o cérebro cair. Para lá do medo e do perigo, e tal como aconteceu aos nativos americanos, haverá uma verdade. Parafraseando Arthur C. Clark, “ou estamos  sós no Universo, ou estaremos acompanhados. Ambas as hipóteses são assustadoras”. Do medo não nos livramos. Por isso, eu afirmo: eu não quero acreditar, mas quero saber.

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